Com o alívio da pressão hospitalar, os profissionais de saúde têm agora a oportunidade de retomar o diagnóstico e tratamento de pacientes não covid, refere o médico intensivista do Hospital de São João, Roberto Roncon.
Nas próximas semanas, prevê-se uma reversão das enfermarias para doentes não covid. O médico considera que a adaptação dos hospitais à redução do número de casos de covid-19 é uma "obrigação moral".
"Os recursos não são ilimitados e nós temos que ultrapassar esta fase mais aguda para dar atenção que os doentes não covid merecem. Isto não é altura de férias, é altura de nos virarmos para os doentes não covid - o que não quer dizer que não estejam a ser tratados", ressalvou o médico.
Para Ricardo Roncon, as autoridades portuguesas têm que deixar de lado o discurso de otimismo ou pessimismo e focar-se em, com humildade e rigor, ler os resultados e tentar perceber as tendências.
"É mais fácil confinar do que desconfinar"
O confinamento geral foi feito de forma bastante selhemante nas dezenas de países que adotaram a medida para travar o contágio. Todavia, "houve muito mais divergências na forma como os países desconfinaram", alega o médico.
Numa entrevista à SIC Notícias, defendeu que o país precisa de estabelecer objetivos de desconfinamento e que a Direção-Geral da Saúde tem um papel cimeiro nessa orientação.
Ricardo Roncon afirma que será necessário um desconfinamento progressivo e com medidas diferentes para as várias regiões do território nacional, tendo sempre em conta a situação epidemiológica de cada cidade/região.
"Dificilmente vamos conseguir desconfinar com um número diário superior a mil doentes", sublinhou o intensivista, que acabou por criticar a forma como o confinamento é visto como a última medida de recurso, "só em casos de desespero".
Utilizando a Nova Zelândia e a Austrália como exemplo, o médico mostrou-se favorável a confinamentos terapêuticos, ou seja, de curta duração mas que são aplicados de forma rápida.
"Acabamos em confinamentos gerais muito prolongados, com quase caos nos cuidados de saúde", disse.
Estratégia de testagem tem de ter "cabeça, corpo e membros"
Apesar de não concordar com a expressão utilizada pelo sub-diretor da DGS que, esta tarde, defendeu que a testagem não deve ser feita "à toa", Ricardo Roncon sublinha que a estratégia "deve ter cabeça, corpo e membros".
"Não me revejo em expressões como testagem à toa. (...) Ninguém está a falar de testar à toa, o que estamos a falar é que várias pessoas têm proposto esse caminho. O confinamento deve ser acompanhado de um aumento da testagem", apontou.
Ricardo Roncon explica que o aumento do número de testes servirá para aumentar a vigilância epidemiológica e que a chave do sucesso do desconfinamento será o realismo com que as autoridades olharem para os números.