A eventual suspensão do isolamento para votar nas eleições legislativas de 30 de janeiro está a dividir constitucionalistas.
O Governo já pediu um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) para saber se o isolamento impede o exercício do direito de voto ou se poderá ser suspenso para esse efeito, informou esta quarta-feira o Presidente da República.
“O senhor primeiro-ministro anunciou que a senhora ministra da Administração Interna terá pedido ao Conselho Consultivo da PGR um parecer sobre o saber-se se o isolamento impede o exercício do direito de voto, ou se é possível exercer o direito de voto, em condições de segurança, apesar do isolamento, isto é, suspendendo o isolamento para esse efeito – o que reduziria, naturalmente, o número daqueles que não poderiam se o quisessem exercer o direito de voto”, declarou o chefe de Estado.
O constitucionalista Bacelar de Vasconcelos considera que seria uma boa solução, porém Paulo Otero defende que não é possível conciliar isolamento e voto.
“Não é possível conciliar saúde pública, isolamento e o exercício do direito de voto”
O constitucionalista Paulo Otero defendeu que “não é possível conciliar saúde pública, isolamento e o exercício do direito de voto”.
“Se são razões de saúde que justificam o isolamento, essas mesmas razões de saúde pública impedem que se crie uma exceção a esse isolamento porque, de duas uma: ou são razões de saúde pública que justificam o isolamento e ele não pode ter exceção ou, tendo exceção, afinal não são razões de saúde pública e, por isso mesmo, não se justifica a existência de isolamento”, afirmou.
O professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa sublinhou que o direito de voto está condicionado ao direito à saúde. Considera que “há outros valores, há outros direitos mais importantes, designadamente a saúde pública”.
Reiterando que a saúde pública tem prevalência sobre o direito de voto, Paulo Otero relembrou que o direito à saúde também primou “relativamente às situações de limitação à circulação entre concelhos, ou à limitação e à injunção de pessoas, por exemplo, ficarem em casa, sem poderem deslocar-se de casa”.
“O que é certo é que aí se demonstra que há outros valores na ordem constitucional que impõem limitações aos direitos fundamentais, designadamente, neste caso aqui, ao direito de voto”, frisou.
“Direito de voto é um direito fundamental no funcionamento de uma sociedade democrática”
Em sentido contrário, o constitucionalista Pedro Bacelar de Vasconcelos afirmou que o “direito de voto é um direito fundamental no funcionamento de uma sociedade democrática” e que os direitos consagrados na Constituição “não são hierarquizáveis”, havendo sempre um “risco de colisão de direitos fundamentais”, dando o exemplo do “direito de liberdade de expressão e o direito ao bom nome”.
Nesse sentido, o ex-deputado do PS sustentou que, “se houver formas de minimizar o risco de contágio” e se forem tomadas “as devidas cautelas”, uma suspensão do isolamento para os cidadãos infetados poderem deslocar-se às urnas “seria bem-vinda”.
“O que há é uma situação de risco que, podendo ser minimizada, deve dar lugar a um direito que [senão] fica completamente excluído. Se uma pessoa não pode votar, o exercício desse direito fica reduzido a zero. Do outro lado, há um risco de poder agravar a sua condição de saúde ou contagiar outros, se for possível minimizá-lo (…) penso que é uma solução amiga da democracia e do Estado de direito”, afirmou.
Com Lusa