A coordenadora do Bloco de Esquerda e o porta-voz do Livre marcam presença na SIC Notícias para o único frente a frente do dia. As semelhanças ideológicas entre ambos partidos podem ser muitas, mas a sua forma de ação pode ser distinta. A habitação, por exemplo, pode ter soluções diferentes.
O debate iniciou-se com uma posição feita por Mariana Mortágua, e também por Rui Tavares, a respeito da potencial ausência de Luís Montenegro nos debates com Livre e PCP.
“Quero dar uma pequena nota, estes debates são importantes, e acho errado que se mudem as regras do jogo a meio do jogo e Luís Montenegro definiu-se numa postura ao recusar esses debates e era bom que fizesse todos pelo bem da democracia”, destacou a líder bloquista.
Já Rui Tavares, encarou o assunto, em primeira mão, com humor, realçando que se encontrava “chateado” com a sua “opositora” no debate, indicando que foi após o seu debate com o líder social-democrata que o mesmo deixou de querer com os outros partidos à esquerda.
“É uma descortesia enorme, o Livre não foi informado sem ser por perguntas de jornalistas, o PSD não teve a cortesia de falar com o Livre, é uma diferença de tratamento para alguém que quer ser primeiro-ministro que me parece especialmente grave. Como vai fazer com os debates quinzenais? Vai só responder a uns partidos e aos outros responde um secretário de Estado?”, questionou o porta-voz do partido da papoila.
No entanto, não foi esta a questão que arrancou o debate. Mariana Mortágua foi confrontada com as declarações sobre a sua avó num anterior debate, no entanto a coordenadora não quis “detalhar casos particulares” e desviou a sua resposta para a lei das rendas de 2012.
"A minha avó sentiu esse sobressalto e não foi a única. Em 2012 foi aprovada uma lei muito cruel que criou regras a que quem não fosse capaz de responder atempadamente, que não tivesse informado e criou um regime de insegurança particularmente nos idosos", expôs.
O que os afasta?
As semelhanças parecem ser muitas, mas tanto BE como o Livre têm maneiras de atacar os problemas do país diferentes. E isso é algo que ambos os líderes conseguem realçar, tal como fizeram neste frente a frente com as soluções distintas que cada um tem para o mercado da habitação inflacionado.
“O Bloco e Livre têm objetivos comuns: derrotar a direita e conseguir uma maioria que encontre soluções para os principais problemas do país. Há assuntos pouco falados que são temas centrais que os nossos programas desenvolvem e temos diagnósticos comuns sobre a habitação, como a pressão de luxos no mercado”, elucidou Mariana Mortágua.
No entanto, a coordenadora defende que se proíba a venda de casas a não residentes, para que não ocupem zonas só com segundas casas ou de férias, algo do qual Rui Tavares discorda.
“Nós sabemos de onde viemos, mas claro que há diferenças em relação a temas como a Europa, o Livre é do partido Verde europeu e há diferenças em métodos e maneira de fazer. O Livre acredita que uma abordagem proibicionista não é a melhor num diagnóstico comum sobre a habitação”, exemplificou o porta-voz.
Para Rui Tavares, proibir a venda a não residentes tem um problema de direito europeu, mas também “é um erro político”. Por isso, o Livre propõe, segundo disse, uma sobretaxa do IMT sobre prédios de luxo e que essa taxa sirva para um fundo de emergência para a habitação.
Neste ponto, ambos os partidos discordam. Querem combater o mesmo, mas de maneira diferente.
País tem de crescer para reter
Em relação à forma como se retém jovens no país, tendo em conta a emigração que não estagna, ambos os partidos têm abordagens semelhantes e, neste ponto, não encontram muita matéria de discórdia.
“O crescimento da economia, por si só, se não for aliado a uma melhoria de qualidade de vida, à sustentabilidade do país e assegurar a dignidade de todos, é um crescimento apenas por crescimento. Os jovens saem menos que no tempo da Troika”, realçou, primeiro, Rui Tavares.
Mas o porta-voz focou-se depois numa solução atrativa que acha que seria capaz de manter mais jovens e ajudaria o país a crescer: melhores salários.
Para Rui Tavares, viver num espaço de liberdade de circulação na União Europeia, permite que os jovens não tenham de esperar para que “os políticos do nosso país venham paulatinamente chegar ao nível dos outros”.
“Portugal tem de sair do paradigma de que jogar para o empate era bom, temos de passar, nesta nova geração, para um paradigma em que Portugal pode estar na vanguarda da UE, na transição energética, na ecologia, na educação, na ciência”, motivou o líder do Livre.
Para Rui Tavares parece óbvio: “as pessoas vão à procura de qualidade de vida, com excelentes serviços públicos e vão à procura de sair da ansiedade em que os seus pais viveram com o fim do mês, com a privação material”.
Por isso, conforme disse o líder do Livre, a sua primordial preocupação é “erradicar a pobreza como fenómeno estrutural do nosso país".
E, nisso, Mariana Mortágua esteve alinhada com o seu “opositor” neste frente a frente.
“Sai demasiada gente do país, o que quer dizer que Portugal é incapaz de reter gente qualificada. Isto combate-se com melhores salários, que não sobem por milagre. É preciso combater a precariedade, combate à exploração de trabalhos por turnos”, esclareceu.
Rendimento Básico Incondicional
Uma das outras propostas experimentais que o Livre apoia - para além da semana de quatro dias - é o rendimento básico incondicional.
“O Livre quer que se experimente, com 20 a 30 milhões de euros, em duas comunidades portuguesas e que nos permite saber sobre Rendimento Social de Inserção e RBI, as pessoas com RSI procuravam menos trabalho, e com o RBI era um incentivo à procura de trabalho e resolve-nos problemas administrativos, em que há pessoas que recebem duas vezes, outras que não deviam receber recebem. Como semana de quatro dias, é importante experimentar para implementar”, detalhou Tavares.
A semana de quatro dias também é uma medida popular dentro do Bloco de Esquerda, que quer a sua imediata implementação - ao contrário do Livre.
“A redução de horário de trabalho é uma das maneiras de fixar jovens em Portugal. Todos os dados sobre a semana mostram que a produtividade aumenta que é possível ter resposta dos serviços, tudo nos diz que deve ser alargado”, disse Mortágua.
NATO: sair ou não sair?
Outro ponto de discórdia. É preciso procurar a fundo, mas se calhar não tão fundo, para que se encontre pontos em que ambos os partidos, que se sentam ao lado um do outro na Assembleia da República, discordem.
Quando é questionado, diretamente, a Mariana Mortágua se o BE sempre apoia a saída de Portugal da NATO, a coordenadora evocou a Constituição da República Portuguesa.
“BE apoia a autodeterminação dos povos e por isso apoiamos a Ucrânia e o seu direito à defesa. Relativamente à NATO sabemos o contexto histórico, a entrada foi na ditadura de Salazar. A NATO estava em morte cerebral, como disse Macron, e surge depois da guerra na Ucrânia de uma outra forma. A Constituição diz precisamente para acabar com os blocos militares e queremos olhar para a paz”, respondeu, vagamente.
Já Rui Tavares apresentou o Livre como um partido europeu e que defende a cooperação entre os países em matéria de segurança.