Rui Pita Perdigão

Cronista SIC Notícias

Eleições Legislativas

Opinião

Uma democracia mais madura, mais plural: Parabéns Portugal!

Os resultados eleitorais podem agradar ou desagradar, dependendo da perspetiva de cada um. Em todo o caso, são uma celebração de liberdade, exercida numa democracia digna de Abril.

Uma democracia mais madura, mais plural: Parabéns Portugal!
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Como me atrevo a dizer isto? - Perguntarão os estimados leitores. Primeiro, porque a participação popular foi bastante considerável, invertendo a tendência abstencionista de sufrágios recentes. É isto que se pretende, que a voz do povo se faça ouvir em força. Seja ela qual for. Mesmo aquela com quem possamos discordar.

Segundo, porque produziu um parlamento mais diverso e plural. O que naturalmente exige de todos uma maior capacidade de diálogo, negociação e concessões de parte a parte com vista a uma construção legislativa coletiva sinergética, mais representativa da realidade do nosso país. A sinergia não se faz com redundância, com competição. Faz-se com complementaridade e espírito de cooperação.

A Governabilidade da Diversidade

Um parlamento plural, sem possibilidade de domínio absoluto por ninguém, implica naturalmente um exercício democrático de diálogo interpartidário, tal como sucede noutras democracias maduras. Se e quando as opções de compromisso se esgotarem, pode o país seguir para novas eleições como tem sucedido em vários países em situação similar. Por exemplo, nos anos que vivi na Bélgica houve longos períodos sem governo estável, e a vida seguiu com normalidade apesar do insólito da situação na altura. Hoje em dia a diversidade política é até bastante recorrente nessa e noutras democracias sólidas e prósperas.

O dramatismo em torno da ingovernabilidade apenas faz sentido numa perspetiva de pendor “pseudo-ditatorial” subjacente à exigência de uma força hegemónica a dominar o parlamento sem precisar de dialogar. Isso sim seria contrário ao espírito democrático de Abril.

Inviabilizada a possibilidade de alguém decidir sozinho, terá necessariamente de negociar e trabalhar conjuntamente com as demais forças, cocriando soluções para o país. Não será fácil caso haja falta de espírito de corpo e cooperação em prol da nação. Ainda assim, seguramente será mais representativo da real diversidade sentida e vivida no país, do que centrar o poder de decisão e ação numa só mão. A pluralidade pode ser desafiante e trabalhosa para o exercício do poder, mas em última análise pode acabar por ser mais benéfica para o país.

Para determinados assuntos afetos a uma agenda mais centrista a Aliança Democrática poderá encontrar pontos de contacto junto do Partido Socialista. Apesar das relevantes diferenças que os separam, também há consideráveis áreas de comunhão a abordar. Para assuntos afetos a uma agenda mais conservadora ou de modo mais geral do leque de bandeiras afins ao Chega, neste encontrará evidente suporte. Naturalmente, assuntos afetos a uma esquerda mais vincada não encontrarão apoio suficiente nesta legislatura, tal como sucedeu com assuntos afetos a uma direita mais vincada em legislaturas anteriores. O povo assim o determinou.

A saúde de uma democracia verdadeiramente plural

A composição parlamentar reflete o panorama vigente na sociedade que o elegeu neste momento. Seja episódico ou consolidado, seja conjuntural ou estrutural. Concorde-se ou não com as sensibilidades expressas no mais recente sufrágio, há que as respeitar democraticamente. Cada um sabe de si, e quem não respeita a vontade do povo livremente expressa em urna não está a respeitar os valores de Abril.

Recorde-se que a democracia não é um monopólio titulado pela esquerda nem pela direita. Se desta vez o povo escolheu a direita, está consumada uma escolha democrática na mesma. Votar na direita é tão válido como votar na esquerda. Não pode haver superioridade moral por parte de nenhuma das correntes. Sem prejuízo de todo o mérito inerente às candidaturas vencedoras, é possível que o efeito combinado entre as fragilidades das demais e de um alegado sentimento de asfixia da sociedade perante toda a pressão anti direita tenha contribuído de alguma forma para a direita mais vincada consolidar o seu lugar ao sol.

Apesar das diferenças programáticas e de estilo, com impactos bem diversos na vida de todos nós, não é caso de vida ou morte se é a direita ou a esquerda a governar. Melhor ou pior, todas as forças procuram fazer aquilo que acreditam ser o melhor para o país. As preferências pessoais que eu eventualmente haja manifestado em urna não relevam para esta reflexão cidadã que apenas visa serenar um pouco os ânimos dos meus estimados concidadãos.

Apraz-me sentar à boa mesa trocando impressões com pessoas de estima pessoal oriundas dos quadrantes mais diversos do espectro político. Mesmo aqueles com quem possa discordar relativamente a questões estruturais e funcionais de relevo. Porque por trás dos políticos com convicções estão seres humanos com as suas qualidades e fraquezas, que podemos estimar ou não pelas pessoas que são na sua essência.

Quem me dera que o novo parlamento viesse a ser assim. Debater o que há a debater, com energia e convicção temperadas por respeito e consideração. Para depois arregaçar mangas e fazer o que há a fazer pelo país. Em todo o caso, mesmo que o parlamento se torne numa peixeirada, ao menos que seja servido o peixe sufragado pela nação. Há que respeitar as escolhas do povo. E em democracia o povo é soberano. Viva a democracia, viva Portugal!