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Aldeias e vilas arrasadas nas ilhas das Filipinas mais afetadas pelo tufão Rai

Equipas de emergência da MSF começaram a providenciar assistência médica e humanitária a comunidades nas ilhas remotas de Dinagat, de Siargão e em outras áreas do arquipélago.

Aldeias e vilas arrasadas nas ilhas das Filipinas mais afetadas pelo tufão Rai

Queencel Catulay vive numa das áreas mais afetadas nas Filipinas pelo tufão Rai, é camponesa em Sugbay, na região de Surigão do Norte. Quando os ventos atingiram a zona, sentiu “muito medo”. “Vi o vento vir na direção do centro de evacuação. E depois houve outra rajada, e foi como se os ventos estivessem a chocar um contra o outro. Parecia que os ventos iam levantar do chão o edifício em que estávamos. Atámos uma corda para que todas as pessoas tivessem onde se agarrar. Pensei que íamos todos morrer. Os ventos eram muito fortes e as ondas enormes. Mas ajudámo-nos uns aos outros”, descreve.

Cerca de mês e meio passado, Queencel Catulay e os demais habitantes de Sugbay, 172 famílias que vivem sobretudo do cultivo da terra, pensam em como vão sobreviver sem os seus meios de subsistência. “Plantamos mandioca e coco. Mas agora os coqueiros não vão crescer. Os coqueiros têm de crescer dez anos antes de se conseguir apanhar algo. Vamos ter de começar do nada. Vamos ter de contar dez anos até podermos colher alguma coisa”, explica. Para quem vive da pesca, o cenário não é melhor: “o meu marido é pescador, mas perdemos as redes, os covos”, frisa ainda Queencel Catulay.

A aldeia onde vive parecia “uma aldeia fantasma” após a passagem do Rai. “Ficou tudo desmoronado, especialmente o nosso centro de saúde e nossa escola, como se a tempestade os tivesse levado”, conta ainda.

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Marie Kris Yurtes perdeu a casa onde vivia em Catadman, na periferida da cidade de Surigão. “Foi abaixo. E as outras casas em volta também, todas destruídas. Na manhã seguinte, fomos até onde as nossas casas tinham estado e montámos uns abrigos com o que conseguimos. Desde o tufão que não há nada que possamos fazer a não ser olhar para a nossa casa e pensar como é que a vamos reparar. Recuperámos um pouco entretanto, mas a dor de ter perdido a nossa casa – é isso que sentimos.”

“Tufão teve um impacto profundo nas vidas de dezenas de milhares de pessoas”

O tufão Rai foi a mais grave tempestade a ter atingido as Filipinas no ano passado e afetou um vasto território de 11 regiões e 38 províncias no país, causando pelo menos 405 mortos, 65 desaparecidos e 1 261 feridos, de acordo com os dados oficiais do Conselho Nacional de Gestão e Redução de Risco de Desastres filipino.

Equipas de emergência da Médicos Sem Fronteiras (MSF) começaram prontamente a providenciar assistência médica e humanitária a comunidades nas ilhas remotas de Dinagat, de Siargão e em outras áreas do arquipélago, algumas das mais afetadas pelo tufão Rai (conhecido localmente como Odette), que atingiu as Filipinas a 16 de dezembro de 2021.

Na esteira das avaliações feitas logo em dezembro até início de janeiro, a organização médico-humanitária mobilizou equipas para aquelas zonas afetadas, as quais têm uma população combinada de mais de 240 mil pessoas. Em cooperação com a resposta em curso das autoridades filipinas, as equipas da MSF estão a concentrar esforços no apoio a estruturas de saúde, a levar clínicas móveis até às áreas isoladas, a facilitar o encaminhamento de pacientes em estado crítico e a distribuir artigos de ajuda e a doar materiais médicos essenciais.

“O tufão teve um impacto profundo nas vidas de dezenas de milhares de pessoas nestas ilhas. Muitas perderam as casas e os meios de subsistência e estão com muitas dificuldades para aceder a cuidados de saúde e a água potável”, explica a coordenadora médica da resposta de emergência da MSF, Chenery Ann Lim. “É crucial que os serviços básicos estejam de novo disponíveis imediatamente de forma a evitar a propagação de doenças transmissíveis pela água”, avança.

A primeira equipa médica que as pessoas estão a ver desde o tufão

Na província das Ilhas de Dinagat, cerca de 30 mil casas e boa parte das infraestruturas locais foram destruídas pelo tufão. Antes havia apenas um profissional médico para 36 mil pessoas em Basilisa, município das Ilhas de Dinagat. Além disto, as três ambulâncias marítimas que transportavam pacientes que precisavam de cuidados especializados fora da ilha não estão a funcionar ou foram danificadas pelo tufão.

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Durante a avaliação feita pela MSF, foram sinalizados pacientes com infeções do trato respiratório superior, diarreias aquosas agudas e hipertensão. Numa vila, algumas pessoas tinham sido mordidas por cães vadios.

“É um grande desafio chegar a muitas das zonas. Não são só as condições meteorológicas. São precisos barcos para ir de uma ilha para outra. Por vezes, ao chegarmos às ilhas, somos a primeira equipa médica que as pessoas estão a ver desde o tufão. Em alguns locais há muitos pacientes com infeções respiratórias, casos de gastroenterites, pessoas que precisam dos medicamentos que tomam habitualmente – muitos dos medicamentos perderam-se porque as casas das pessoas foram arrasadas. É muito difícil. Por isso estamos a prestar serviços de saúde e medicamentos gratuitos”, explica a coordenadora médica da resposta de emergência da MSF ao tufão Rai.

A organização médico-humanitária mobilizou-se para providenciar apoio aos profissionais de saúde locais e enviar equipas para o Hospital Distrital de Dinagat e unidades de saúde em Basilisa e San José, que foram gravemente danificadas, precisando de reabilitação. Pacientes que careçam de cuidados adicionais são encaminhados através do apoio a um sistema de ambulâncias marítimas.

Nas Ilhas de Siargão, província de Surigão do Norte, várias unidades de saúde também sofreram danos com o tufão. Equipas da MSF estão a prestar primeiros-socorros psicológicos e cuidados em saúde mental à comunidade, incluindo aos socorristas, assim como a providenciar apoio ao encaminhamento de pacientes.

Criadas clínicas móveis em áreas mais necessitadas

A MSF ativou também nesta região clínicas móveis para áreas que até meados de janeiro tinham recebido ainda muito pouca ou mesmo nenhuma assistência, incluindo em algumas das zonas periféricas da cidade de Surigão. O apoio em saúde mental é um componente-chave das consultas prestadas.

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O fornecimento de água potável constitui atualmente uma enorme preocupação, apesar da disponibilidade abundante de água nesta região – a capacidade de armazenamento e a rede de águas foram gravemente afetadas pelo tufão e as autoridades filipinas atribuiram já algumas mortes a gastroenterite aguda e a leptospirose, uma infeção bacteriana que ocorre normalmente após cheias ou por contacto com água contaminada.

Dado este contexto, as equipas da MSF estão a distribuir kits de higiene e a providenciar atividades de água e saneamento para aumentar o acesso a água potável em todas as áreas onde foi ativada a resposta de emergência.

A MSF trabalha nas Filipinas desde 1984, sobretudo com respostas a emergências e desastres naturais. Em 2013, foi uma das primeiras a dar resposta de emergência no seguimento do tufão Haiyan. Foi também providenciado apoio a pessoas deslocadas devido ao cerco da cidade de Marawi, em 2017. Além disso, a organização médico-humanitária mantém dois programas regulares nas Filipinas: um projeto no âmbito da tuberculose em Tondo e em Manila, e em Marawi e Lanão do Sul são providenciados cuidados de saúde mental e tratamento de doenças não-transmissíveis.

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