As pessoas com epilepsia enfrentam muitos desafios em países de baixos rendimentos como a Libéria, onde a doença muitas vezes não é diagnosticada, não é tratada e permanece incompreendida.
A epilepsia é uma doença neurológica crónica, caracterizada por convulsões recorrentes que podem variar entre movimentos involuntários breves e convulsões graves. As convulsões podem ser debilitantes e perigosas para as pessoas a quem tal acontece e perturbadoras para quem lhe está em volta. Sem diagnósticos médicos, as famílias recorrem frequentemente a curandeiros tradicionais ou religiosos na expectativa de conseguirem uma cura.
Amuchin Nango tinha nove anos quando sofreu um traumatismo na cabeça num acidente de bicicleta e começou a ter convulsões – caía ao chão, a sacudir o corpo incontrolavelmente e até mesmo a morder a língua.
“A família dele ficava muito confusa e sem saber o que fazer”, explica o assistente psicossocial Abraham Kollie, que trabalha com a Médicos Sem Fronteiras (MSF) na Libéria. “A certa altura, a família começou a achar que era algo espiritual, como feitiçaria. Levaram-o a muitíssimos curandeiros tradicionais na Libéria e na Serra Leoa, mas os tratamentos não resultaram em nada positivo”, junta.
Na escola, Amuchin Nango sofria convulsões repetidamente e alguns dos colegas deixaram-lhe claro que não o queriam ali, pensando talvez que se tratasse de uma doença contagiosa. “Até o diretor da escola tinha problemas com isso. Por isso, eu disse à minha mãe que não precisava de continuar a ir à escola”, recorda Amuchin Nango.
Só oito anos passados desde o início dos sintomas é que Amuchin Nango encontrou a ajuda de que precisava. Foi em janeiro de 2018 e alguns meses antes a MSF começara a providenciar tratamento para a epilepsia e em saúde mental em colaboração com as autoridades de saúde locais em Monróvia, a capital da Libéria, e algumas outras áreas no condado de Montserrado. A família de Amuchin Nango tivera conhecimento da existência destes serviços numa reunião comunitária organizada pela MSF. Pouco depois deslocaram-se ao Centro de Saúde Pipeline, em Paynesville, nos arredores da capital, onde Amuchin Nango foi observado por um clínico de saúde mental, acabando por lhe ser diagnosticada epilepsia.
Uma crise negligenciada
A epilepsia é o distúrbio neurológico crónico mais comum no mundo, afetando uns estimados 50 milhões de pessoas de acordo com a Organização Mundial de Saúde. A doença pode ter uma variedade de causas, incluindo complicações durante o nascimento ou infeções que afetam o cérebro e, por vezes, a causa pode não ser identificada.
“Cerca de 80 por cento das pessoas com epilepsia vivem em países de baixos ou médios rendimentos e quase três quartos delas não recebem o tratamento de que necessitam”, sublinha o neurologista Léonard Nfor, que esteve até muito recentemente a trabalhar com a MSF na Libéria.
“A prevalência da doença em África é muito elevada e faltam profissionais qualificados. Temos, assim, de encontrar um sistema em que a epilepsia possa ser tratada apesar da ausência de especialistas nesta doença”, frisa.
Na Libéria, a MSF firmou uma parceria com o Ministério da Saúde para dar formação e supervisionar profissionais de saúde mental em cinco centros de saúde no condado de Montserrado. Os clínicos diagnosticam e tratam pessoas com epilepsia e distúrbios psiquiátricos com a orientação prestada por profissionais especializados da MSF como Léonard Nfor.
A medicação tem um papel crucial no controlo dos sintomas como as convulsões epilépticas, e o aconselhamento também ajuda os pacientes a compreenderem como gerir a doença. Assistentes psicossociais e voluntários de saúde comunitários divulgam a informação de que há tratamento disponível e trabalham junto das famílias e das comunidades para reduzir o estigma social pelo qual passam muitos pacientes.
Estes esforços têm ampliado desde 2017 e, atualmente, é prestado tratamento a mais de 1 200 pacientes com epilepsia e quase 600 pacientes com distúrbios psiquiátricos.
Enfoque na inclusão
A experiência vivida por Amuchin Nango em ter de abandonar a escola está longe de ser única. Mais de metade dos pacientes com epilepsia assistidos pela MSF são crianças em idade escolar, mas a maioria não vai à escola. A organização médico-humanitária identificou que o estigma social é a principal razão devido à qual cerca de 10 por cento destas crianças abandonam a escola. Outras razões incluem dificuldades económicas ou fragilidades de saúde.
Mesmo depois de Amuchin Nango começar o tratamento para a epilepsia foi necessário um esforço concertado para que conseguisse regressar à escola.
“A nossa equipa psicossocial continua a trabalhar com o senhor Nango e a sua família, visitamo-los, falamos ao telefone e providenciamos psicoeducação na escola dele”, descreve o assistente psicossocial da MSF Abraham Kollie. “Depois de um trabalho intensivo de sensibilização sobre a epilepsia com os alunos e com o pessoal administrativo foi finalmente possível que o senhor Nango fosse aceite de volta na escola.”
Há dois anos Amuchin Nango terminou o ensino secundário e é agora um orgulhoso professor júnior no liceu. Encoraja outras pessoas com convulsões a procurarem cuidados médicos e divulga a informação de que há tratamento disponível para a epilepsia. Atualmente, os sintomas de Amuchin Nango estão bem controlados com os medicamentos.
No Dia Internacional da Epilepsia, que se assinalou a 14 de fevereiro, os assistentes psicossociais da MSF visitaram centros de saúde e escolas em todo o condado de Montserrado para reforçar a sensibilização nas comunidades para a doença. Nas t-shirts que vestiam levaram uma mensagem clara com o objetivo de ajudar a reduzir o estigma que Amuchin Nango e muitos outros pacientes enfrentam: “A epilepsia não é contagiosa”.