Europeias 2024

Europeias: conseguirá a extrema-direita estabelecer alianças?

A constituição das bancadas do “novo” Parlamento Europeu só será conhecida na sessão plenária constitutiva, agendada para 16 a 19 de julho.

Europeias: conseguirá a extrema-direita estabelecer alianças?
KENZO TRIBOUILLARD

As eleições europeias de junho deverão ditar um aumento de forças políticas de extrema-direita no Parlamento Europeu, mas a grande incógnita é se conseguirão estabelecer alianças entre si e com a grande família do centro-direita, o Partido Popular Europeu.

Sem uma coligação de centro com PPE e Socialistas, apoiados pelos Liberais, as forças populistas da direita radical deverão, segundo a generalidade das sondagens, ganhar nas eleições deste ano uma expressão sem precedentes.

Contudo, os partidos de extrema-direita dos 27 Estados-membros, que se repartem por dois grupos na assembleia europeia -- o Grupo dos Conservadores e Reformistas (ECR) e o grupo Identidade e Democracia (ID) -, tendo algumas 'bandeiras comuns', são muito distintos entre si e tradicionalmente não conseguem estabelecer alianças sólidas e eficazes, um cenário que pode mudar.

Apesar de as sondagens apontarem para que PPE, Socialistas e Liberais mantenham uma maioria na assembleia europeia, mesmo perdendo assentos em todos os casos, a grande família de centro-direita poderá estar recetiva a colaborar com forças da direita radical. Eis alguns pontos essenciais a ter em conta relativamente à possível constituição do Parlamento Europeu (PE) para a décima legislatura (2024-2029) na sequência das eleições europeias de junho:

Constituição das bancadas só será conhecida em meados de julho

Com cerca de 370 milhões de eleitores chamados às urnas nos 27 Estados-membros entre 6 e 9 de junho para eleger 720 deputados, a constituição precisa das bancadas do “novo” Parlamento Europeu só será conhecida na sessão plenária constitutiva, agendada para 16 a 19 de julho.

As negociações para a constituição dos grupos políticos têm início após as eleições e podem prolongar-se até à primeira sessão, que decorrerá em Estrasburgo (França) devendo cada grupo comunicar até 15 de julho a sua composição, nomes dos deputados e declaração política.

A generalidade dos partidos políticos que concorrem nos 27 países às eleições europeias estão já bem identificados com o grupo ao qual pertencem ou tencionam pertencer a nível europeu, mas há vários casos em que tal está ainda em aberto e só serão tomadas decisões após as eleições e negociações, como o do principal partido húngaro, o Fidesz, de Viktor Orbán.

Um grupo político deve integrar pelo menos 23 deputados eleitos em pelo menos um quarto dos Estados-membros da União, ou seja, oriundos de sete países.

Dois grupos de direita radical com ambição de serem terceira maior bancada

Os grupos ID e ECR, conotados com a extrema-direita, contam no final da legislatura cessante com 64 deputados cada, bem longe da terceira maior bancada, a do Renovar Europa, com 102, mas, de acordo com as sondagens, disputam este ano o 'pódio' com os Liberais, que devem sofrer uma forte queda. Segundo as projeções, os três grupos estão numa luta 'renhida', podendo eleger cada em torno de 80 a 90 deputados.

Segundo algumas projeções, juntos, ID e ECR poderão ter, pela primeira vez na história da União Europeia, mais deputados do que a bancada do PPE ou a dos Socialistas Europeus.

O grupo ID conta nas suas fileiras com formações populistas de direita tais como a União Nacional francesa de Marine Le Pen, a Liga italiana de Matteo Salvini, os nacionalistas neerlandeses do PVV de Geert Wilders, os nacionalistas flamengos do Vlaams Belang (Bélgica) e o Alternativa para a Alemanha (AfD), considerado particularmente radical.

O ECR, que conta com partidos como os Irmãos de Itália, da primeira-ministra Giorgia Meloni, os ultraconservadores polacos do Lei e Justiça (PiS), e os partidos de extrema-direita Vox (Espanha) e Reconquista (França), deverá aumentar significativamente o número de assentos na assembleia e poderá contar com um 'reforço' suplementar: o Fidesz de Viktor Orbán, excuído do PPE.

Alarme no centro-esquerda com possível aliança do PPE com ECR 'de' Meloni

Face às projeções de viragem à direita e o objetivo recentemente assumido por Meloni de se formar uma "maioria que una as forças da direita", cresce o receio no centro-esquerda que o PPE deixe de privilegiar uma aliança com Socialistas e Liberais, cenário reforçado por uma recente intervenção ambígua de Von der Leyen.

Num debate entre os candidatos principais dos diferentes grupos à liderança do executivo comunitário ('spitzenkandidaten'), realizado a 29 de abril em Maastricht, Países Baixos, Von der Leyen surpreendeu -- e chocou designadamente o seu concorrente socialista e comissário Nicolas Schmit -- ao não rejeitar vir a trabalhar com o ECR, quando se limitou a responder que tal "depende muito da composição do Parlamento e de quem estiver em cada grupo".

Uma aproximação ao ECR implicaria os conservadores de centro-direita perderem o apoio de todo o centro-esquerda: Socialistas, Liberais, Verdes e Esquerda Europeia já avisaram, por exemplo, que votarão contra a eleição de Von der Leyen se esse for o caso.

Rotundo "não" de todas as forças do centro à esquerda a alianças com direita radical

A um mês das eleições europeias, Socialistas, Liberais, Verdes e Esquerda Europeia adotaram uma declaração conjunta a apelar "a todos os partidos democráticos" para que rejeitem "qualquer normalização, cooperação ou aliança com partidos de extrema-direita e radicais" a qualquer nível, com o PPE como óbvio destinatário.

Advertindo que este é "um momento crucial na história do projeto europeu, onde mais uma vez a extrema-direita tenta trazer de volta as páginas mais negras" da história, socialistas, liberais, Verdes e Esquerda exortam Von der Leyen e todos os partidos democráticos europeus a seguirem o seu exemplo, alertando que se manterão "vigilantes".

Sem o apoio do centro-esquerda no Parlamento Europeu, torna-se praticamente impossível para Ursula von der Leyen ser reconduzida como presidente da Comissão, mesmo que o PPE vença as eleições e o Conselho (Estados-membros) proponha o seu nome.

Apesar das advertências, sucedem-se nos Estados-membros casos de alianças, regionais ou mesmo nacionais e governamentais.

Os partidos portugueses - maior fragmentação e estreias em vista

Apesar da mudança de 705 para 720 deputados na próxima legislatura, Portugal manterá 21 assentos, mas deverá seguir a tendência geral de uma maior fragmentação e distribuição entre as diferentes bancadas, com estreias à vista, designadamente da direita radical.

Na legislatura que termina, os 21 eurodeputados portugueses distribuíram-se por quatro bancadas - nove deputados do PS na bancada do S&D, seis do PSD e um do CDS-PP no grupo PPE, dois do Bloco de Esquerda e dois do PCP na bancada da Esquerda Europeia e, por fim, um deputado nos Verdes, Francisco Guerreiro, independente após se ter 'separado' do PAN, pelo qual fora eleito em 2019).

De acordo com as sondagens, o Chega deverá eleger pela primeira vez deputados para o Parlamento Europeu - que integrarão o grupo ID -, assim como a Iniciativa Liberal, estando também em busca de uma estreia na assembleia europeia o Livre, enquanto os restantes partidos deverão ter resultados aquém daqueles obtidos em 2019 (sendo que PSD e CDS-PP este ano concorrem juntos, na coligação AD).

Com Lusa