Com o escalar de tensões, o conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia parece cada vez mais perto de acontecer. Esta segunda-feira, Putin reconheceu, de forma unilateral, a independência das regiões de Donetsk e Lugansk – que em parte são dominadas por separatistas pró-russos. E enviou forças militares para esses territórios ucranianos como forma de “manutenção da paz”. Os Estados Unidos e a União Europeia responderam com sanções. A intenção da Ucrânia de aderir à NATO é uma das razões que motivou esta escalada de tensão, mas que papel a Organização do Tratado do Atlântico Norte pode vir a assumir neste conflito?
A NATO foi constituída em 1949, no rescaldo da II Guerra Mundial. Durante a Guerra Fria, tinha como principal objetivo travar a expansão soviética, numa disputa que dividiu o mundo em dois: capitalismo vs comunismo. A Guerra Fria terminou entretanto, mas a NATO mantém-se ativa, com funções reformuladas.
A expansão na NATO, em particular a intenção de adesão da Ucrânia, foi vista pela Rússia como uma provocação e, com um conflito à porta da Europa, há várias questões que se colocam: o que acontece se os países membros do Tratado do Atlântico do Norte forem atacados? Sendo Portugal um dos membros da NATO, terá de participar também numa possível guerra?
O que é o artigo 5.º e em que circunstâncias é acionado?
No tratado assinado a 4 de abril de 1949, há um artigo que determina que um ataque armado contra um ou vários países que integram a NATO é considerado um ataque a todos os membros.
Artigo 5.º
“As Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual ou coletiva, reconhecido pelo artigo 51.° da Carta das Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, praticando sem demora, individualmente e de acordo com as restantes Partes, a ação que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança na região do Atlântico Norte.”
Esta é uma das razões apresentadas por Putin para se opor à adesão da Ucrânia à NATO. No entanto, este artigo tem de ser acionado pelos 30 países membros, em unanimidade – tal como todas as decisões tomadas pela organização. Nuno Rogeiro destaca que “tem de haver uma grande concordância entre os países para que esse artigo extremamente dramático possa ser invocado”. Acrescenta que no tratado não está definida “de que forma os países reagem a essa agressão”.
“Em princípio têm de mostrar solidariedade com o agredido, facilitar meios para que a defesa se faça de uma forma eficaz.”
Germano Almeida, comentador SIC, destaca que “a NATO é uma organização de defesa e de cooperação e também uma organização solidária”, o que coloca aos países a “obrigação” de se mostrarem solidários perante um ataque a qualquer membro.
“Se algum Estado membro for atacado, isso é uma declaração de guerra, é um ataque a todos. Todos têm obrigação de o defender.”
Em pouco mais de 70 anos de NATO, o artigo 5.º foi acionado apenas uma vez: depois do 11 de setembro. Este atentado terrorista foi considerado pelo 30 países membros como sendo um ataque aos Estados Unidos e, por isso, disponibilizaram elementos militares para defender o aliado. Germano Almeida, comentador SIC, lembra que, na altura, foi realizada “uma operação considerada de defesa [dos EUA] no Afeganistão”.
Por outro lado, os países podem recusar-se a acionar o artigo 5.º, o que, segundo Nuno Rogeiro, cria “um entrave à participação militar de todos”.
Qual o papel de Portugal neste conflito?
As movimentações militares podem parecer estar longe de Portugal, mas é importante lembrar que Portugal é um dos 30 países membros que assinou o Tratado do Atlântico Norte. Desde então, já participou em várias operações em conjunto com os aliados, tem também forças militares alocadas à NATO e forças em reserva.
“Se houvesse – eu acho que não vai haver – uma ação militar da Rússia a um país da NATO: artigo 5.º, os outros tinham obrigação – e Portugal é um dos 30 membros – de defender esses países”, afirma Germano Almeida.
O Governo português tem vindo a posicionar-se ao lado da NATO e da União Europeia no que ao conflito Rússia-Ucrânia diz respeito. Esta terça-feira, António Costa condenou o reconhecimento russo das regiões separatistas em território ucraniano e Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, disse, esta quarta-feira em entrevista à SIC, que a Rússia “está a seguir caminho muito perigoso”, alertando que se Moscovo atacar um membro da NATO, “ataca todos”.
Germano Almeida reconhece que integrar a NATO tem “regalias” e “obrigações”: “Pertencer a uma organização desta dimensão implica seguranças, garantias e regalias, mas também implica obrigações. E qual é uma das obrigações? Daquilo que a NATO vier a decidir de operações militar, Portugal contribui – como sempre tem feito noutros palcos”, afirma o comentador.
Também Nuno Rogeiro refere que, apesar dos problemas financeiros das forças armadas, “Portugal tem peso”. E avança que já foram disponibilizados militares, navios, aviões, carros e aviões da força aérea para as operações que estão a ser montadas nos países da NATO em torno da Ucrânia – como a Polónia e a Roménia.
“Para um país com poucas capacidades e pouco dinheiro”, avança Rogeiro, “parece estar a dar uma grande contribuição”.
Que apoio podem dar os países da NATO à Ucrânia, estando fora do conflito?
Apesar da Ucrânia ter vindo a manifestar publicamente a intenção de aderir à NATO – assim como vários países da ex-URSS -, neste momento o país não faz parte da NATO e, por isso, as forças militares da NATO não entram em qualquer conflito armado que decorra em território ucraniano.
No entanto, vários países que integram o Tratado Atlântico Norte têm vindo a enviar material militar para ajudar a Ucrânia a resistir à invasão russa. Mas há aqui diferentes interpretações: enquanto a NATO classifica o material militar enviado como defensivo, a Rússia, por outro lado, afirma que há material ofensivo, ou seja, que poderá ser usado pelas forças militares ucranianas em ataque ao vizinho soviético.
Ajudar a Ucrânia é uma decisão de cada Estado soberano e não implica uma associação da NATO ao conflito. Uma circunstância que se vê no palco de operações: as forças militares da NATO estão a posicionar-se perto das fronteiras com a Ucrânia, mas em territórios de países que integram o Tratado do Atlântico Norte. Joe Biden também já avisou, várias vezes, que os EUA estão prontos para proteger todos os membro da NATO.
“O que está a acontecer neste momento é que tem havido uma solidariedade e um apoio militar à Ucrânia, mas tem havido uma mobilização militar, no âmbito da NATO, para países fronteiriços. Mas não na Ucrânia”, esclarece Germano Almeida.
O comentador acredita que “os países da NATO não vão intervir diretamente na Ucrânia”, mas destaca a importância das questões económicas e de relações comerciais que alguns dos 30 membros têm com a Rússia – como, por exemplo, a França e a Alemanha – na “dissuasão militar”. “Veremos se são suficientes ou não para travar a agressão militar da Rússia”, remata
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