Apesar desta guerra estar a acontecer a milhares de quilómetros de distância, o facto de se travar em território europeu e de acedermos com regularidade a notícias sobre a situação leva a um maior sentimento de proximidade. Por isso, acabamos por vivenciar um conjunto de reações face à destruição visível nas imagens, o desespero dos que partem e o número crescente de mortes, não apenas de militares, mas também de civis, inclusive de crianças.
Ainda que todos tenhamos reações distintas a acontecimentos perturbadores e que cada um de nós tenha os seus recursos e formas diferentes de lidar com emoções e sentimentos negativos, é possível olhar para a investigação científica e identificar um conjunto de manifestações que se apresentam com maior incidência. Na verdade, as repercussões ecoam através das vidas individuais e, por vezes, ao longo de gerações.
Vários estudos longitudinais com refugiados realojados indicaram uma maior prevalência de taxas de depressão, de perturbações de ansiedade e de perturbação de stresse pós-traumático, as quais prevalecem entre os refugiados durante cinco anos ou mais após a guerra. Identificou-se também que o risco de ter uma perturbação mental grave é substancialmente maior nos refugiados de guerra do que na população em geral, mesmo vários anos após o seu restabelecimento. O aumento da vulnerabilidade tem sido associado tanto à exposição a traumas de guerra, como à separação da família, à habitação inadequada, ao desemprego e aos constrangimentos relacionados com o processo de se inserirem numa nova cultura (domínio da língua, por exemplo).
Estas condições estão associadas a elevados níveis de incapacidade funcional, carga global de doenças e custos médicos, exigindo uma melhor compreensão das especificidades da saúde mental dos sobreviventes de guerra. Foram identificadas como sintomas centrais as respostas de alarme e sobressalto, as emoções negativas relacionadas com traumas, os pensamentos intrusivos, a frieza emocional, a apatia e a reatividade fisiológica.
As crianças e a guerra
A propósito dos mais novos, a guerra expõe as crianças a perigos extremos e a experiências traumáticas que as colocam num risco significativo de desajustamento. Basta pensarmos que as crianças em áreas afetadas pela guerra são separadas de familiares, escolas e amigos, bem como podem testemunhar tortura e abuso de pessoas próximas. Também nesta faixa etária se apresentam maiores taxas de sintomatologia ansiosa, depressiva ou até mesmo virem a preencher os critérios da perturbação de stresse pós-traumático.
Mesmo que as famílias sobrevivam, podem ser afetadas pelo trauma da guerra e terem de viver no rescaldo de experiências relacionadas com o sucedido, o que pode mudar as práticas parentais e ter impacto no stresse parental e na saúde mental. Os pais com problemas de saúde mental podem tornar-se irritáveis ou menos tolerantes à frustração. Resultados hoje conhecidos de outros conflitos armados mostram que a exposição à guerra comprometeu o ajustamento das crianças, em parte através da redução do afeto parental.
Por tudo isto, é fundamental que se ponderem políticas pós-conflito que visem principalmente as crianças expostas durante a primeira infância, para aliviar, ou potencialmente inverter, os efeitos adversos a longo prazo para a saúde causados pela exposição à guerra.
Uma espécie de trauma coletivo
Num outro registo, quem assiste à distância a esta guerra pode também vivenciar um conjunto de reações com impacto na dinâmica diária ou até mesmo resultar numa espécie de trauma coletivo. Não é um fenómeno novo, pois aquilo que aparentemente é algo local, circunscrito, é transformado pela comunicação social em algo global. No passado, ganhou destaque com o 11 de setembro de 2001, em que foram várias as pessoas que assistiram a esse acontecimento traumático pela televisão e desenvolveu respostas emocionais intensas e com declínio no bem-estar.
Por sua vez, famílias que tenham entes queridos a viver na Ucrânia ou na Rússia, ou que se tenham deslocado para lá em missão militar, estarão em maior risco de sentir um impacto emocional adicional. Ou seja, a probabilidade de desenvolverem ou verem agravadas dificuldades e problemas de saúde psicológica aumenta.
“A guerra afeta-nos a todos”
O tema tem merecido a maior atenção por parte de entidades com responsabilidades em matéria de saúde mental. Por exemplo, a Federação Europeia de Associações de Psicologia (EFPA) reuniu-se de urgência, no dia 03 de março, a pedido de associações de diversos países. A reunião terminou com a votação e aprovação, por grande maioria, de uma proposta sobre a expulsão da Sociedade Russa de Psicologia.
Consciente da forma como a guerra perturba a saúde psicológica e o bem-estar das pessoas e com o mote de que a “a guerra afeta-nos a todos”, a Ordem dos Psicólogos Portugueses avançou com um novo contributo para ajudar a gerir emoções e sentimentos em tempos de crise. Dias antes já havia disponibilizado um documento para ajudar pais e cuidadores a conversar com crianças e jovens acerca da guerra.