Guerra Rússia-Ucrânia

O limbo de sorte e azar, de fundo e superfície, de vida e morte em que vive a Ucrânia

Crónica de Rui Caria, na Ucrânia.

O limbo de sorte e azar, de fundo e superfície, de vida e morte em que vive a Ucrânia

A guerra levou-os à escuridão, não apenas àquela que deriva da falta de livre arbítrio, mas à escuridão não metafórica das caves e das estações de metro.

Vivem abaixo da superfície, nas fundações dos prédios, junto às tubagens dos sistemas de águas e esgotos. Viram-se obrigados a trocar a luz do dia pela penumbra amarelada do tungsténio e pela insalubridade que os pode salvar da guerra.

A necessidade de sobrevivência leva à adaptação extrema e nesta urgência de vida o fundo da terra passa a ser casa segura; sem janelas, sem céu nem Sol, mas uma casa onde se vai vivendo a cada tremor dos rockets e dos mísseis russos que, num silvo rápido, espalham o terror nos bairros do nordeste a poucos quilómetros do centro de Kharkiv.

A proximidade, da periferia desta zona da cidade, à fronteira russa poderá explicar a fixação do invasor em bombardear consecutivamente este bairro de prédios e moradias que já pouco tem para destruir.

Os que decidiram ficar à superfície apostam na sorte de um míssil cair ao longe, mas ao longe está a casa do vizinho que talvez também tenha apostado na sorte.

É neste limbo de sorte e azar, de fundo e superfície, de vida e morte, que vive a Ucrânia; o maior país da Europa depois da Rússia que se estende por dois continentes.

O tamanho imenso não parece ser suficiente para se manter à superfície, nesta guerra desigual. Porém, este povo resiste estoicamente mesmo enquanto é empurrado para debaixo da terra, de onde, talvez, possa ressurgir mais forte para continuar a ensinar ao mundo o verdadeiro significado da palavra resiliência.