A autoproclamada República da Transnístria, que não foi reconhecida pela comunidade internacional, pode ser arrastada para a guerra que está a decorrer há mais de dois meses na vizinha Ucrânia. Sinal disso podem ser os ataques à região no início da semana.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Moldávia acredita que a Rússia quer aumentar a tensão na região separatista. A hipótese surge na sequência de uma declaração do Kremlin, que revela o plano de controlo total do sul da Ucrânia, com abertura de um caminho para a Transnístria.
A região da Moldávia está ocupada por 1.500 soldados russos e a Rússia diz “estar preocupada” e “atenta à situação” em Transnístria, negando, assim, qualquer tipo de ataque nesta região moldava.
Um oficial russófono defende que os autores dos ataques realizados na segunda-feira, que apenas resultaram em danos materiais, foram “infiltrados ucranianos”. Contudo, na ótica do Presidente ucraniano, as explosões tiveram “mão russa”.
Volodymyr Zelensky esclareceu que a Rússia está por detrás disto, acrescentando que “o objetivo é óbvio, desestabilizar a situação na região e ameaçar a Moldávia”. O Ministério da Defesa ucraniano foi mais longe e afirmou que os ataques foram realizados para “semear o pânico e o sentimento anti-ucraniano”.
Um oficial da Transnístria assegura que os russófonos estão a ser oprimidos na região. Trata-se do mesmo argumento utilizado por Moscovo para justificar a invasão da Ucrânia.
Nos últimos dois dias, as autoridades da Transnístria indicam que as explosões atingiram o quartel-general de segurança estatal em Tiraspol, a principal cidade; antigas antenas de rádio da Era soviética utilizadas para transmitir notícias russas e uma unidade militar em Parcani, uma aldeia nos arredores de Tiraspol.
As explosões não provocaram baixas, mas está agora em vigor o “alerta vermelho de ameaça terrorista” que vai ficar em vigor durante, pelo menos, 15 dias.
O comentador da SIC, Nuno Rogeiro, admitiu na quarta-feira que a possibilidade do conflito se expandir para a Moldávia é real e defende que o país se encontra sob ameaça direta da Rússia.
AUTORIDADES MOLDAVAS ALARMADAS
A inquietação da Moldávia está relacionada com as declarações do general Rustam Minnekaiev, comandante adjunto das forças do Distrito militar do Centro da Rússia, que afirmou a intenção de Moscovo em assumir “o controlo total do Donbass [leste] e do sul da Ucrânia”.
O controlo do sul da Ucrânia deve designadamente permitir que seja fornecida ajuda aos separatistas russófonos da Transnístria, que desde 1992 controlam este território da Moldávia junto à fronteira com o oeste da Ucrânia.
O Ministério moldavo das Relações Exteriores e da Integração Europeia disse que as declarações sobre a Transnístria são “infundadas e contradizem a posição da Federação russa de apoio à soberania e integridade territorial da República da Moldova, dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas”.
NOVA FRENTE DE GUERRA?
De acordo com a BBC, uma escalada de tensões na Transnístria poderia desestabilizar a Moldávia e abrir uma nova frente na guerra da Ucrânia.
A sensivelmente 160 quilómetros da região separatista está a cidade portuária de Odessa. Com tropas na Transnístria, os russos podem deslocar-se para a cidade ucraniana a partir de Oeste.
O Presidente Putin comprometeu-se a “proteger” os russófonos nas ex-repúblicas soviéticas, um argumento que tem sido utilizado para justificar a invasão.
A tensão na região autoproclamada República da Transnístria pode desencadear um conflito preocupante, perto de um território da União Europeia e pertencente à NATO, a Roménia, cuja fronteira mais próxima fica a mais de 160 quilómetros.
A TRANSNÍSTRIA
A região da Transnístria está localizada numa estreita faixa de terra entre o rio Dniester e a fronteira ucraniana. O nome deriva do rio, pois Transnístria significa “além do rio Dniester”.
Em 1991, no ano em que a Guerra Fria chegou ao fim e a URSS se desintegrou, a então República Socialista Soviética da Moldávia declarou independência. Todavia, uma região do país continuava a manter uma ligação à Rússia e recusou integrar a nova Moldávia.
A Transnístria governa-se autonomamente desde a década de 90, embora não tenha sido reconhecida como independente pela comunidade internacional.
Até 700 pessoas foram mortas numa curta guerra fronteiriça entre a Moldávia e a Transnístria, tendo sido assinado um cessar-fogo em 1992.
RÚSSIA “ASSEGURA PAZ” NA REGIÃO DESDE 1992
As forças russas apoiaram os separatistas da Transnístria no conflito e mantém desde então militares na região para “assegurarem a paz” dos russófonos, apesar de nem Moscovo reconhecer a independência proclamada na região.
Desde então, a Transnístria tornou-se dependente da Rússia que, além de fornecer gás gratuitamente, o país tem estacionados militares e 20 mil toneladas de munições.
Chisinau, que admite não ter controlo da região, há muito que pede a saída das tropas russas, mas a instabilidade política que se sente no país não tem facilitado esse impulso.
A Presidente atual, Maia Sandu, é fortemente pró-UE, mas o antecessor, Igor Dodon, que ainda tem muitos apoiantes, era pró-russo.
O país apresenta uma posição a favor da Ucrânia, tendo proibido a exibição pública da fita de São Jorge e do sinal Z, que é referente à “operação militar especial russa na Ucrânia”.
Desde o início da guerra na vizinha Ucrânia, a Moldávia já acolheu mais de 437 mil refugiados ucranianos, num país com mais de 2,6 milhões de pessoas.
Até ao momento, a Moldávia é o segundo classificado na lista dos países mais pobres da Europa, com a Ucrânia a ocupar o primeiro lugar, sobretudo, devido à guerra que ainda decorre no país.
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