Os relatos detalhados de Yuliia Taira Paievska referem os episódios de tortura que vivenciou e assistiu durante os três meses em que esteve detida. A médica ficou conhecida por ter divulgado vídeos captados por uma câmara corporal durante o cerco russo à cidade portuária.
As memória que traz desse período foram partilhadas com os legisladores norte-americanos que pertencem à Comissão de Segurança e Cooperação na Europa – também conhecida como Comissão de Helsinque dos EUA.
Entre as descrições, a médica refere um menino de sete anos que morreu no seu colo por não haver equipamento médico para salvá-lo. Lembra também um amigo a quem fechou os olhos “antes do corpo ter arrefecido”, sublinhando que cada vez morreram mais e mais amigos.
Yuliia Paievska relata que os militares russos obrigavam os prisioneiros a retirar a roupa antes de os atormentar e agredir e que os gritos dos detidos se ouviam durante semanas, “morrendo depois da tortura sem qualquer ajuda médica”, cita a AP.
“Neste tormento do inferno, as únicas coisas que sentem antes da morte são abusos e espancamentos”, refere.
Da sua experiência pessoal, Yuliia Paievska conta que sofreu dores de cabeça fortes devido a uma concussão que sofreu numa explosão. Lembra que pediu aos captores para ligar ao marido, mas que esse pedido lhe foi negado.
“Eles disseram: ‘Andas a ver muitos filmes americanos. Não haverá nenhuma chamada telefónica”.
Além disso, a médica conta também que os torturadores incentivavam os prisioneiros – ela incluída – a que se suicidassem. O desejo de ver o dia de amanhã foi o que a manteve resistente. “Sabes porque te fazemos isto?”, perguntou-lhe um dos militares russos, ao que a médica respondeu “porque podem”.
A médica foi detida em março, depois de ter sido mandada parar numa operação de verificação dos documentos. Acredita-se que milhares de cidadãos ucranianos foram detidos pelas forças russas. A Convenção de Genebra determina que os médicos militares e civis devem ser protegidos “em qualquer circunstância”. Segundo o autarca de Mariupol, pelo menos 10.000 pessoas desapareceram da cidade durante o cerco russo.
Antes de ser capturada, a médica conseguiu enviar aos jornalistas da AP um micro cartão de memória com 256 gigabytes de imagens filmadas com uma câmara corporal. Os vídeos mostram o dia-a-dia da sua equipa de salvamento, em Mariupol, durante o cerco russo.
Os jornalistas conseguiram transportar o micro cartão de memória para fora de Mariupol colocando-o num tampão. As imagens, onde se vê Yuliia Paievska e a sua equipa a tratar civis e soldados ucranianos e russos, foi fundamental para a sua libertação através de uma troca de prisioneiros em junho.
Governo da Ucrânia diz ter documentado 34 mil crimes de guerra russos
O Governo da Ucrânia afirma que documento perto de 34 mil crimes de guerra perpetrados pelas forças militares russas desde o início da invasão. O Tribunal Penal Internacional, juntamente com 14 Estados-membros da União Europeia, estão também a investigar os indícios de crimes de guerra.
Segundo a Missão de Monitorização dos Direitos Humanos na Ucrânia – uma missão dirigida pelas Nações Unidas – há provas que prisioneiros de guerra detidos por força russas sofreram maus tratos e tortura, tendo também sido privados de alimentos, água, saneamento e cuidados de saúde.
Além das acusações da ONU, também a Cruz Vermelha Internacional afirma que foi negado o acesso aos prisioneiros. A Rússia não respondeu a nenhuma das acusações.