É mais um episódio a juntar a dezenas de ataques só este ano na costa de Portugal e de Espanha. Um grupo de orcas ibéricas destruiu parte de uma embarcação, desta vez na costa espanhola.
De acordo com a agência Reuters, na quarta-feira passada, um grupo de orcas partiu o leme e perfurou o casco da Mustique, uma embarcação com bandeira britânica que ia a caminho de Gibraltar. O embate levou os quatro tripulantes a pedir ajuda às autoridades.
No início de maio, o veleiro Alboran Champagne também sofreu um impacto semelhante a menos de um quilómetro de Barbate, Espanha. O navio não pôde ser rebocado porque estava completamente inundado e foi deixado à deriva para afundar.
As orcas não são baleias
Afinal, que animal marinho é este que começou a ter um comportamento intrigante?
Apesar de serem conhecidas como “baleias assassinas”, as orcas não são baleias, mas sim um mamífero da família dos golfinhos. Têm dentes cónicos, barbatana dorsal alta e triangular e coloração preta no dorso e branca no ventre, com mancha branca junto a cada um dos olhos.
Quanto às orcas ibéricas, vivem no nordeste do Atlântico e estão em vias de extinção. Restam apenas 35.
O comprimento das orcas ibéricas adultas está entre os cinco e os seis metros, um tamanho pequeno quando comparado com outras orcas do resto do mundo, como as antárticas que chegam a ter nove metros e podem pesar até seis toneladas.
Na primavera e no verão, alimentam-se principalmente de atum rabilho no Estreito de Gibraltar e, no outono, continuam a rota ao longo da costa de Portugal e da Galiza espalhando-se por águas profundas. Durante o inverno regressam, onde permanecem até ao final da primavera, repetindo o ciclo.
O estranho comportamento das orcas ibéricas
Tudo terá começado em 2020 quando as orcas ibéricas começaram a ter um comportamento desconhecido da comunidade científica e do qual não há registo em mais nenhuma região do planeta.
Os relatos da interação com barcos, principalmente veleiros, que provocaram danos, foram diversas vezes notícia, gerando uma espécie de alarme social.
Para monitorizar estas interações, foi criado o Grupo de Trabalho Orcas Atlânticas, formado por especialistas da costa ibérica.
De acordo com dados do GTOA, foram registadas 52 interações entre julho e novembro de 2020 entre o Estreito de Gibraltar e a Galiza, incluindo a costa ao longo de Portugal continental.

Este comportamento foi observado quando algumas orcas mais novas interagiram principalmente com veleiros, mas registaram-se também casos de interação com embarcações de pesca e pneumáticas.
"Foi relatado que orcas tocaram, empurraram e até viraram as embarcações, o que em alguns casos resultou em danos nos lemes".
Em janeiro de 2021, foram registados mais dois casos na costa atlântica de Marrocos e no Estreito de Gibraltar, chegando às 197 interações no final do ano.

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Já em 2022, foram registadas 207 interações entre orcas e barcos na costa atlântica de Portugal e Espanha, um comportamento que os especialistas consideram intrigante.

As orcas estão a brincar ou é um trauma?
O biólogo Alfredo López, da Universidade de Aveiro e membro do grupo de investigação do comportamento das orcas, explicou à Associated Press que os incidentes são raros, mas estranhos.
Não houve relatos até ao momento de ataques contra humanos e as interações com os barcos parecem parar quando as embarcações ficam imobilizadas.
"Em nenhum dos casos que pudemos ver em vídeo testemunhamos qualquer comportamento que pudesse ser considerado agressivo", considera Alfredo López.
De acordo com o investigador, foram identificadas 15 orcas envolvidas em incidentes, 13 jovens, o que poderia apoiar a teoria de que estavam a brincar, e duas adultas, o que poderia suportar uma teoria de que o comportamento é o resultado de algum evento traumático com um barco.
Ou seja, ainda sem certezas, os investigadores acreditam que o comportamento defensivo das orcas ibéricas pode ter origem num episódio traumático.
A culpa é da orca White Gladis?
É mais uma peça que ainda não se sabe se encaixa neste puzzle. Tudo pode ter começado com uma orca chamada White Gladis, que pode ter sido vítima do trauma inicial, uma colisão com um barco ou uma armadilha durante a pesca ilegal.
O episódio pode ter resultado no comportamento defensivo e ao mesmo tempo destrutivo, provocando a imitação do resto da população de orcas.
Para Alfredo López Fernandez, um dos autores do estudo publicado na revista Marine Mammal Science, as orcas podem não ter más intenções, pois "são animais incrivelmente curiosos e brincalhões e, portanto, isso pode ser mais um brinquedo do que uma coisa agressiva", mas o comportamento pode ter passado para os filhos, simplesmente por imitação.
O que fazer quando há uma interação com orcas?
Os mamíferos marinhos estão protegidos em Portugal desde 1981 (Decreto-Lei n.º 263/81) e por vários acordos internacionais. E há regras a cumprir.
As embarcações baleeiras devem manter distâncias de segurança dos animais enquanto os observam, por exemplo, é proibido permanecer mais de três plataformas num raio de 100 metros em torno do cetáceo.
Também as embarcações de recreio devem ter cuidado ao navegar com cetáceos nas proximidades, para evitar colisões ou lesões aos mesmos, evitando a aproximação ou perseguição de animais e respeitando as distâncias estabelecidas.
Mas há mais recomendações em caso de interação com orcas ibéricas. No site do Grupo de Trabalho Orcas Atlânticas, pode ler-se, por exemplo, que é importante soltar o leme, pois está provado que os animais tendem a bater no leme com mais força e os danos nas embarcações podem ser maiores.
Além disso, as orcas podem ser estimuladas por ações humanas para interagir com o barco, por isso os tripulantes devem ficar fora da vista, não gritar, nem tentar bater nas orcas, tocá-las ou atirar objetos.
A divulgação de todas as interações com orcas e o seu avistamento na costa portuguesa foi recentemente identificada por vários especialistas como fundamental para prevenir os recentes incidentes envolvendo veleiros.
- Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas
- Autoridade Marítima Nacional
- Marinha Portuguesa
- Orca Attack Reports