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"Ninguém me sabia dizer porque é que tinha tantas dores"

Passaram pelo menos 10 anos entre a primeira ida a um ginecologista, para procurar respostas para as dores, e o diagnóstico. Agora, Inês Maia sabe que carrega consigo uma doença, a endometriose. Foi mãe de Leonardo em 2015 e este ano vai voltar a ser, depois de anos de luta por respostas, dores e uma cirurgia ao útero.

"Ninguém me sabia dizer porque é que tinha tantas dores"
Instagram Inês Maia / Catia Teodoro

Chama-se Inês Maia e tem dores e infeções urinárias desde que se lembra. Perdeu-lhes a conta. As análises e exames foram muitos. Os antibióticos também. O diagnóstico era sempre o mesmo: exagero, dores "normais" da menstruação ou problemas nos intestinos. "Isso não dói assim tanto", diziam-lhe. Com o tempo, habituou-se à dor constante. Já fazia parte do seu dia a dia, contou em entrevista à SIC Notícias. O ponto de viragem foi quando foi mãe de Leonardo, em 2015. Engravidou naturalmente, mas descreve os nove meses seguintes como dolorosos.

"Ao longo da gravidez nunca ninguém me sabia dizer porque é que eu tinha tantas dores, não era suposto. Há desconforto, por vezes normal, mais para o fim da gravidez, mas no meu caso comecei a ter muitas dores uterinas a partir das 16 ou 20 semanas", contou.

O princípio do diagnóstico. Que dores são estas?

A meio da gravidez, Inês já tinha dificuldade em caminhar, tinha de se arrastar e agarrar às paredes. Passou metade do tempo deitada. À SIC Notícias descreve que tinha dores, medo do desconhecido e sentia pressão no fundo da barriga.

Depois do parto, voltaram as infeções. Como método contracetivo aplicou um dispositivo intrauterino (DIU), meses mais tarde, mas o corpo rejeitou-o: "Foi aí que percebi que tinha de ver o que se passava com o meu organismo". Além disso, Inês foi diagnosticada com um esgotamento. Foi um pós-parto exigente e solitário, com dores constantes, contou.

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Depois de procurar ajuda em vários ginecologistas, uma médica disse-lhe uma palavra desconhecida: adenomiose. "Foi para mim muito estranho, nunca tinha ouvido falar em tal coisa", confessou.

Pesquisou sobre a palavra e partilhou a novidade no seu blog. Nesse dia, foi contactada por uma responsável da MulherEndo – Associação Portuguesa de Apoio a Mulheres com Endometriose. A partir daí, passou a ser acompanhada pelo médico Hélder Ferreira, recomendado pela associação.

A confirmação. "Não conseguia pegar no meu filho ao colo"

A confirmação do diagnóstico chegou em 2018, com a cirurgia, a laparoscopia, no Centro Materno Infantil do Norte, no Porto. "Eu queria respostas", recordou. Inês tinha endometriose e adenomiose, uma variante. Entre a primeira ida a um ginecologista, para procurar respostas para as dores, e o diagnóstico passaram pelo menos 10 anos.

"Havia alturas em que não me conseguia agachar, não conseguia pegar no meu filho ao colo porque depois já afetava toda a zona lombar", contou.

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Altos e baixos e o copo meio cheio

Dois meses depois da cirurgia, Inês "estava muito bem", sem dores e com mais qualidade de vida.

No entanto, houve um retrocesso: "a cirurgia atenua, mas é temporário, não resolve". Voltaram as dores fortes e as hemorragias descontroladas. O stress e o cansaço podem ter influenciado.

Com a pandemia, "acomodou-se", "vingava-se na comida". Com mais 10 quilos, começou a ter crises de dores "como nunca tinha tido".

Inês diz que tem "cicatrizes para a vida". As "evidentes" na barriga, devido à cirurgia, e as de "luta interna": "Por muito positiva que eu seja, há alturas muito complicadas, mesmo a nível de casal. O meu marido é muito compreensivo, mas eu a dada altura afastava-o. É difícil lidarmos com isto, algo tão íntimo e limitativo".

Em junho de 2019, Inês descrevia os últimos meses numa publicação do Instagram, acompanhada por uma foto da sua barriga, "a mais bonita aos olhos dos seus":

"Aqui já morou uma vida, agora mora uma doença. Tem um nome feio, mas tornou a minha vida tão mais bonita, pois nela encontrei a minha maior força de viver".

Envolvida também em projetos centrados na parentalidade, é no Instagram Eu, agora Mãe | Inês Maia que vai escrevendo sobre a endometriose, a aceitação e as relações e vai ajudando outras mulheres. É criadora de conteúdos digitais e gestora de redes sociais.

Para ultrapassar a crise de dores do ano passado, Inês concentrou-se num estilo de vida mais saudável e em descansar mais. É essa uma das mensagens que passa a mulheres com a doença.

"Passei a ser seguida por uma nutricionista, mudei a minha alimentação, passei a ser acompanhada por uma personal trainer online", disse. Depois disso, passou a usar também terapias alternativas, óleos e produtos naturais.

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Um milagre para Inês, Frederico e Leonardo

Em outubro de 2018, Inês escrevia no Instagram que aquele momento podia ser "o fim do sonho" de dar um irmão a Leonardo. A doença não dava tréguas. No dia 2 de janeiro de 2021, contava, na mesma rede social, que o primeiro desejo do filho era um bebé.

O sonho chegou.

Sem estar à espera, Inês engravidou do segundo filho. "Fiquei incrédula, foi um misto de emoções. Acho que foi um milagre", relevou.

Havia a vontade, mas o casal, Inês e Frederico, não sabia se era possível por causa da endometriose.

Grávida há quatro meses, ainda não sabe o sexo do bebé, mas, se for menina, espera conseguir travar aquilo que considera uma "herança genética" de problemas no útero. A mãe, a avó e a tia também os tinham, mas nunca foram diagnosticadas com endometriose.

"A última vez que o meu útero tinha sido avaliado, a probabilidade de engravidar era praticamente nula", contou, em entrevista à SIC Notícias.

A gravidez está a ser dolorosa como a primeira porque "a doença não desapareceu" e o útero está a passar por alterações. Mas agora Inês sabe a razão e o que pode fazer para melhorar.

"Estou a tomar outras medidas. Na primeira vez não o fiz por medo da dor, por não saber o que era. Passei metade da gravidez deitada. Agora estou a fazer exercícios para me manter ativa e que me ajudam a atenuar a dor, continuo a ser acompanhada pela nutricionista, vou voltar às terapias, agora aplicadas a este momento", disse.

PARTILHA NAS REDES SOCIAIS. "Cada corpo é um corpo"

Em três anos, desde que começou a falar sobre a endometriose no Instagram, são dezenas as publicações sobre a doença. Vai recebendo apoio e ajudando outras mulheres que estão a passar pelo mesmo.

"Vão surgindo cada vez mais mulheres com suspeitas ou diagnóstico, todas elas com imensas perguntas diferentes", contou, no entanto, explicou que "cada corpo é um corpo" e que, apesar de partilhar a sua história e ouvi-las, é essencial "procurarem um especialista em endometriose a partir do momento em que há suspeitas".

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"No meio de todo o mal, há coisas que podem correr bem"

"A aceitação é um passo muito importante. Quando entramos em negação ou em rejeição é muito difícil lidar com uma doença destas. Aceitar que temos a doença, procurar formas de atenuá-la, procurar o especialista certo, não recusar logo à partida um diagnóstico ou a cirurgia sem saber do que se trata. (...) é uma doença que pode ter muitos atenuantes. No meio de todo o mal, há coisas que podem correr bem, se nós procurarmos fazer a escolha certa", afirmou.

Depois de altos e baixos, marcas na pele e na personalidade, e de muitos anos de dores, Inês Maia está de novo grávida. A mensagem às mulheres com endometriose é de esperança: aceitar, focar no lado positivo e "acreditar que conseguiremos ultrapassar".

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