João Rosado

Comentador SIC Notícias

Opinião

Martínez vai a Fátima com quatro peregrinos

O selecionador, graças sobretudo ao comportamento da defesa, corrigiu as lacunas na recuperação de bola.

Martínez vai a Fátima com quatro peregrinos
MIGUEL A. LOPES

Quando amanhã Portugal defrontar a Geórgia em Gelsenkirchen, é evidente que muitas memórias vão recuar 20 anos, até ao dia em que no Arena AufSachalke o FC Porto ergueu a Taça dos Campeões Europeus à custa do Mónaco.

Sob a orientação de José Mourinho, os dragões exibiram um meio-campo de luxo formado por Costinha, Deco e Maniche e deixaram duas mensagens claras em campo. Em primeiro lugar, uma dirigida a um tal Didier Deschamps, treinador do onze representativo do Principado e hoje em dia responsável por uma França que se arriscou a repetir a final de 2016... nos oitavos-de-final.

O campeoníssimo Didier (triunfador no Mundial da Rússia e finalista no Catar) percebeu logo nesse 26 de maio de 2004 que não tinha hipóteses perante o vencedor da Taça UEFA do ano anterior, enquanto a segunda mensagem azul-e-branca demorou um pouco mais a passar. O também campeoníssimo Luiz Felipe Scolari (triunfador no Mundial 2002) “gastou” o jogo de abertura do Europeu desse ano para entender que a seleção estava obrigada a usar o trio de ouro do FC Porto, circunstância que só no desafio frente à Rússia começou a ser devidamente explorada.

Roberto Martínez, a exemplo do que acontece com vários colegas presentes na Alemanha, não usufrui deste género de vantagem, o que talvez ajude a explicar a aparente hesitação entre dois sistemas táticos. Após o 3-4-3 exibido na partida com a Chéquia, o sucessor de Fernando Santos decidiu-se pelo 4-3-3 perante a Turquia, e não se pode dizer que o resultado final não justificou a mudança preparada em Marienfeld.

Conforme tinha acontecido em Leipzig, um autogolo ajudou bastante à festa, mas, independentemente da infelicidade do central Akaydin, o grau de evolução denunciado pela equipa nacional permite concluir que a linha defensiva de quatro unidades veio para ficar e, mais importante do que isso, já é latente uma maturidade que se presumia inatingível nesta fase.

Mesmo que amanhã o trio composto por António Silva, Danilo e Gonçalo Inácio apareça entre os titulares, as estatísticas e a performance na segunda jornada recomendam que a 1 de julho Portugal regresse ao desenho “turco”. No tapete verde de Dortmund, perante um oponente com um estilo diferente, a posse de bola baixou (de 69% para 56%), o número de passes baixou (de 622 para 523), os ataques diminuíram (75 contra 39), as recuperações de bola diminuíram (43 contra 40), houve menos remates (19 contra 12 tiros, de 8 enquadrados para 3) e somente um pontapé de canto a favor, contrastando com os 13 registados no dia 18.

Até no que diz respeito aos foras de jogo, os “Apaixonados” subiram de 3 para 4 situações irregulares e no entanto... a eficácia do passe melhorou (de 87% para 91%), contagiando a subida substancial de rendimento no capítulo dos cruzamentos. Para ganhar 4 bolas disputadas na sequência de cruzamentos, Portugal precisou de 31 tentativas ante os checos, em contraste com os 16 efetuados no último sábado para um pecúlio idêntico (por quatro vezes se superiorizou à defesa montada por Vincenzo Montella).

DOIS SPRINTERS E UM CARLOS LOPES

Em conclusão, com tantos altos e baixos estatísticos, o marcador “subiu” de 2-1 para expressivos 3-0, o que remete para um índice de aproveitamento superior à medida que a seleção avança no torneio, revelando sinais claros de que está em condições de corresponder à expectativa de milhões de adeptos. Sobretudo depois de resolvida uma das principais preocupações de Martínez, confessada no interior e no exterior do balneário aquando da derrota no Jamor com a Croácia. A capacidade exibida na recuperação de bola faz de Portugal o quarto classificado neste item (83 recuperações), com a particularidade de os quatro defesas estarem entre os melhores, oferecendo uma segurança que promete levar o selecionador a Fátima.

Pepe (17 recuperações), Nuno Mendes (11), Cancelo (10) e Rúben Dias (9) mostram como o bloco recuado interpreta um comportamento que ajuda Diogo Costa a ser um dos guarda-redes com menos defesas efetuadas (3, a par de Sommer e de Neuer) ao fim de duas jornadas, obviamente o único intervalo competitivo que oferece reais comparações entre todos os concorrentes uma vez que é preciso esperar mais de 24 horas pelo confronto com a Geórgia.

Para uma equipa que à entrada para a terceira ronda só está(va) atrás da Alemanha na percentagem de posse de bola (62,5% contra 65,5%), é significativo que os defesas demonstrem protagonismo no “regresso” ao ataque, com a particularidade de Nuno Mendes estar no pódio dos atletas com mais desarmes efetuados (9, nivelado com... Jude Bellingham, menos um do que Hojbjerg).

O lateral do PSG consegue ainda notabilizar-se entre os velocistas do Campeonato da Europa, contribuindo e de que maneira para um corredor esquerdo de alta rotação. Com 35,4 km/h de velocidade máxima registados, Rafael Leão é o acelera de Portugal (4º no ranking), logo seguido de Nuno Mendes (35,1 km/h), o que deve deixar o gabinete técnico em polvorosa face ao onze que está guardado para 1 de julho.

Os sprinters (Leão obrigatoriamente, pois viu cartões amarelos) devem ficar a descansar diante da Geórgia e os... maratonistas também. Sobretudo o Carlos Lopes com pitons de alumínio e futebol de seda. Chama-se Bernardo Silva, é o futebolista com mais quilómetros (24, 250 m) percorridos neste Euro (sublinhe-se, levando em conta as duas jornadas iniciais) e também ele guarda fabulosas memórias do Mónaco.

Campeão sob as ordens de Leonardo Jardim, há sete anos o 10 já não encontrou Deschamps mas fez correr Mundo a parceria com um adolescente que respondia pelo apelido Mbappé.