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Resposta a um surto epidémico deve contemplar investigação científica, defende especialista

O epidemiologista Kamal Mansinho defende que  a resposta a um surto epidémico deve contemplar investigação científica,  porque a pressão de tratar os doentes e controlar a transmissão leva muitas  vezes a uma insuficiência de dados. 

Mosquitos responsáveis pela transmissão de dengue (Reuters/ Arquivo)
© Stringer . / Reuters

A conclusão será apresentada pelo próprio investigador no sábado, numa  palestra que antecede o Congresso Nacional de Medicina Tropical, que decorre  entre segunda e terça-feira. 

Em entrevista telefónica à Lusa, o investigador explicou que a sua comunicação  pretende fazer uma análise comparativa da gestão dos surtos de dengue na  Madeira, desde outubro de 2012, e em Cabo Verde, em 2009. 

O especialista, que participou no combate aos dois surtos, disse que  em ambos os casos os profissionais de saúde envolvidos na primeira linha  de combate à epidemia "conseguiram de forma muito consistente criar rapidamente  um conjunto de soluções para dar resposta a uma afluência inesperada". 

Isso não significa que a comunidade não sinta que está a esperar muito  tempo, admitiu, lembrando que a elevada procura numa fase precoce de um  surto epidémico esgota a capacidade dos serviços de saúde. 

Também a nível da comunicação, - e "gerir uma epidemia é acima de tudo  um exercício de comunicação" - Kamal Mansinho concluiu ter havido "um esforço  enorme das autoridades de saúde, que globalmente conseguiram que essa comunicação  fosse efetiva e objetiva". 

Nos casos da Madeira e de Cabo Verde, lembrou, era particularmente importante  que a comunicação permitisse transmitir os riscos existentes sem afetar  desnecessariamente o turismo, e isso foi alcançado: "Em ambos os casos,  as coisas funcionaram bem. Com avanços e recuos, com algumas hesitações,  como acontece normalmente em epidemias". 

Na opinião do especialista, o que podia ter corrido melhor era a aposta  na investigação durante a fase epidemiológica, não só sobre o vírus e a  doença, "mas até a nível sociológico". 

"É uma lição que não é exclusiva de Cabo Verde e da Madeira", reconheceu  o médico do hospital Egas Moniz, lembrando que já participou em outras epidemias  "e a insuficiência de dados é muito comum em qualquer uma delas". 

Em causa está a dificuldade de, numa primeira fase epidémica, responder  em simultâneo a todas as prioridades - diminuir ao máximo possível a mortalidade,  as implicações na saúde pública, a disrupção social, exemplificou. 

"No caso da Madeira, ao fim de três ou quatro semanas foi feita alguma  investigação", disse Kamal Mansinho, defendendo no entanto que é "cada vez  mais necessário criar condições para que, no meio da prioridade das decisões  iniciais, contemplar a hipótese de começar também a investigação precocemente".

A atualidade desta questão é tanto maior quanto a comunidade científica  é confrontada, cada vez com maior frequência, com surtos imprevisíveis como  o novo vírus da gripe (H7N9), que segundo a Organização Mundial de Saúde  já fez 17 mortos e infetou pelo menos 82 pessoas. 

"É importante que os planos de contingência prevejam estruturas que  permitam fazer investigação básica no decurso de uma epidemia", reiterou  o cientista, que aplaudiu a iniciativa da Direção Geral da Saúde de, na  sequência do surto de dengue da Madeira, criar uma plataforma de investigadores  para elaborar um plano de contingência para eventuais surtos de doenças  tropicais no continente. 

"O que as epidemias nos ensinam é que elas não se anunciam, quando aparecem  podem ser apenas casos esporádicos ou raros e quando nos apercebemos podem  ser uma situação explosiva. Se a partir dos casos esporádicos e raros formos  capazes de comunicar de forma articulada e eficiente e iniciar rapidamente  uma investigação para apurar se são só casos raros ou se há risco de surto  epidémico, então estaremos a ser muito eficientes", concluiu Kamal Mansinho.

A epidemia de dengue da Madeira começou em outubro do ano passado e  foi considerada controlada em março, tendo resultado em 2.170 casos registados.  A epidemia que afetou Cabo Verde em 2009 resultou em seis mortes e mais  de 20 mil casos suspeitos. 

 

Lusa