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Porquê o Qatar?

Seis países árabes cortaram relações diplomáticas com o Qatar, acusando o emirado de desestabilizar a região e de apoiar o terrorismo. A acusação não é nova, mas o Qatar rejeita-a e denuncia uma "campanha difamatória" contra o país.

Porquê o Qatar?
YOAN VALAT / EPA

Apesar de súbita, a decisão do corte de relações diplomáticas não surgiu de repente. A acusação de que o Qatar apoia organizações terroristas é recorrente e a relação entre o Qatar e os outros países do Golfo Pérsico tem vindo a deteriorar-se nos últimos anos, sobretudo nos últimos dias.

O Governo de Doha é acusado de estar a financiar grupos terroristas, nomeadamente o Daesh, a Al-Qaeda e a Irmandade Muçulmana.

Em 2014, Arábia Saudita, Bahrein e os Emirados Árabes Unidos retiraram os seus embaixadores do Qatar durante vários meses em protesto contra alegada ingerência interna.

Há duas semanas, Egito, Arábia Saudita, Bahrein e os Emirados bloquearam os sites de notícias do Qatar, incluindo a Al Jazeera, após comentários contra a Arábia Saufita proferidos pelo emir xeique Tamim bin Hamad al-Thani. Doha alegou que os comentários eram falsos, atribuindo a veiculação das notícias a um "vergonhoso cibercrime".

Radicais islâmicos e Irão

De uma forma genérica, há duas razões principais para a decisão tomada esta segunda-feira:

- a ligação do Qatar a grupos islâmicos radicais
- o papel do Irão, rival regional da Arábia Saudita

Desde que o Qatar começou a ganhar relevo na cena regional e internacional no final dos anos 1990, este rico emirado, aliados dos EUA, tem encorajado as correntes islâmicas, direta ou indiretamente, nos países da Primavera Árabe. Um dos principais grupos é a Irmandade Muçulmana do Egito, apoiando o antigo Presidente Mohamed Morsi, derrubado em 2013 por Abdel Fattah al-Sissi, que o Qatar apelidou de "golpe de Estado".

O Qatar alberga no seu território alguns dos principais dirigentes da Irmandade Muçulmana, grupo declarado terrorista pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos.

O antigo dirigente do Hamas palestiniano, Khaled Mechaal, encontra-se no Qatar e os talibãs afegãos têm no território uma "delegação".

Há fortes suspeitas de que pessoas muito ricas do Qatar têm doado dinheiro aos jihadistas bem como o próprio Governo, que fornece armas e dinheiro aos jihadistas na Síria. O Qatar é também acusado de apoiar um grupo anteriormente conhecido com Frente al-Nusra, afiliada da Al-Qaeda.

A Arábia Saudita acusa ainda o Qatar de apoiar "as atividades de grupos terroristas apoiados pelo Irão na província de Qatif", leste do país, onde se concentra a minoria xiita do reino saudita. Riade e Teerão romperam relações diplomáticas em janeiro de 2016 quando foi executado um líder xiita na Arábia Saudita.

Influência regional contestada

Um dos mais pequenos países árabes (11.437 km2, 2,4 milhões de habitantes, 90% estrangeiros), o Qatar recusou integrar a federação dos Emirados Árabes Unidos em 1971 quando se tornou independente ao fim de 55 anos de protetorado britânico.

Governado pela família Al-Thani desde meados do século XIX - o atual emir xeique Tamim Ben Hamad Al-Thani reina desde 2013 - intensificou a sua atividade diplomática com as Primaveras Árabes de 2011, apoiado pelo influente canal de televisão Al-Jazeera. O apoio à irmandade Muçulmana desencadeou a primeira crise regional com a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, em 2014.

O país tem uma Constituição, adotada em referendo em em vigor desde 2005, que não permite os partidos políticos mas institui o princípio - que nunca foi aplicado - da eleição de 2/3 dos 45 membros do Conselho Consultivo. As mulheres votaram pela primeira vez em 1999, em eleições municipais.

Membro da OPEP, o Qatar é o primeiro produtor e exportador mundial de gás natural liquefeito e tem 1/3 das reservas mundiais.

O que aconteceu a 5 de junho de 2017

- A Arábia Saudita encerrou todas as fronteiras terrestres, marítimas e aéreas com a pequena península rica em petróleo e gás. Seguiram-se-se o Bahrein, os Emirados Árabes Unidos, o Egito, o Iémen e a Líbia.

- Arábia Saudita, Emirados e Bahrein deram aos visitantes e residentes do Qatar duas semanas para abandonar os seus territórios.

- Emirados Árabes Unidos deram aos diplomatas do Qatar 48 horas para abandonar o país. As linhas aéreas Etihad, Emirates e Flydubai suspenderam todos os voos de e para a capital Doha.

- Os aliados do Golfo Pérsico encerraram o espaço aéreo à Qatar Airways, que suspendeu os seus voos para a Arábia Saudita.

- A agência estatal do Bahrein disse que as relações estavam cortadas porque o Qatar "desestabiliza a segurança do Bahrein ao imiscuir-se nos seus assuntos".

- O Egito deu 48 horas ao embaixador do Qatar para abandonar o Cairo. As ligações aéreas com o Qatar estão suspensas a partir de terça-feira.

- A diplomacia do Qatar rejeitou as acusações e denunciou uma "campanha hostil, fundamentada em calúnias (...) "testemunhando uma premeditação para prejudicar" o país. O MNE reafirmou que o Qatar "respeita a soberania dos outros Estados, não interfere nos assuntos dos outros, além de que luta contra o terrorismo e o extremismo".

- Clube de futebol saudita Al Ahly cancela contrato de patrocínio com a Qatar Airways.

- Arábia Saudita encerra os escritórios da estação de televisão do Qatar Al Jazeera e retira a licença de emissão no reino.

- Maldivas cortam relações diplomáticas com o Qatar.

Última atualização 17h20