Um grupo de investigadores conseguiu recuperar glicano de um fóssil animal com quatro milhões de anos, capaz de sobreviver sob condições de calor e humidade extremas em que o ADN é destruído, num trabalho que resulta da colaboração entre a Universidade da Califórnia em San Diego e o Instituto Turkana Basin no Quénia.
Esta descoberta pode representar o primeiro passo para ultrapassar as fragilidades do ADN, através de um "novo e importante método para as investigações sobre as origens humanas", explica a paleoantropóloga Meave Leakey, acrescentado que os estudos genéticos só são possíveis em fósseis de antepassados humanos com menos de apenas alguns milhares de anos.
Os glicanos, ou polissacarídeos, são cadeias complexas de açúcar presentes nas superfícies de todas as células, que medeiam a sua interação com o ambiente.
Ajit Varki, professor na Universidade da Califórnia, explica que o novo tipo de glicano descoberto num fóssil encontrado no Quénia "pode dar-nos uma melhor forma de investigar qual é a nossa linhagem, assim como responder a muitas outras questões sobre a nossa evolução e a nossa propensão a consumir carnes vermelhas".
Já se sabia, de investigações anteriores, que o ser humano, ao contrário da maioria dos outros mamíferos, não produz este tipo de glicano, chamado Gc-CS, mas acumula-o quando come carne vermelha e, por isso, são detetáveis pequenos vestígios.
Segundo os investigadores, a descoberta de Gc-CS abre caminho a uma série de possibilidades sobre o estudo da evolução da espécie humana, uma vez que a sua ausência é característica dos antepassados do Homem.
"Quando pudermos obter fósseis hominíneos antigos de África, poderemos eventualmente ser capazes de os classificar em dois grupos - os que têm Gc-CS e aqueles que não têm", explica Varki, clarificando que aqueles que não têm "provavelmente pertenceriam à linhagem que deu origem aos humanos modernos".
O investigador admite também a possibilidade de esta descoberta vir a permitir uma melhor compreensão dos hábitos alimentares do Homem, nomeadamente o ponto da evolução humana em que se começaram a consumir grandes quantidades de carnes vermelhas, uma vez que a presença de vestígios de Gc-CS denuncia esse hábito.
"Será interessante podermos começar a colocar estas questões, agora que sabemos que é possível encontrar Gc-CS em fósseis antigos em África", acrescenta Varki.
O ADN é ainda hoje um instrumento valioso para o estudo da antropologia e da evolução, mas a sua rápida degradação sob condições atmosféricas específicas impõe limitações que, para Leaky, poderão vir agora a ser suplantadas através dos estudos com base no glicano.
Lusa