Numa semana em que, nesta ponta do paraíso que é a União Europeia, se discute os benefícios e malefícios da vacinação das crianças dos 5 aos 11 anos, a Fundação Mo Ibrahim publicou um estudo que revela que mais de 50% das crianças nascidas em África não tem existência legal porque nunca foram registadas. Em muitos países africanos, os serviços que conhecemos como Registo Civil foram perturbados ou interrompidos pela pandemia.
Eu que não sou cientista, nem sequer das ciências socias, atrevo-me a dizer que o cerne da luta contra este novo vírus vai ser a igualdade. É que o Sars-Cov-2, com as suas atuais 12 variantes conhecidas, trata todos por igual e nós não somos iguais.
A igualdade termina logo no nascimento. O local deste planeta onde nascemos determina toda a nossa vida. Se os países ocidentais nos proporcionam cuidados de saúde e colocam à nossa disposição todas as vacinas que a comunidade científica já engendrou, outros países, até bem próximos dos ditos desenvolvidos, não conseguem garantir a quem lá nasce sequer a possibilidade de uma existência legal.
Ainda segundo a Fundação Mo Ibrahim (que tem por trás uma bela história de altruísmo), o registo de nascimento é gratuito em apenas quatro dos 24 países da África Ocidental e Central. E todos conseguimos imaginar que pagar para registar uma criança não será prioritário quando a opção de vida é apenas sobreviver.
Por isso, atrevo-me de novo a considerar que por mais vacinas que os países ocidentais, através da Covax ou por outros meios, enviem para os países em desenvolvimento, africanos ou outros, continuarão a ser muitos os obstáculos a que estas vacinas cheguem aos braços de quem delas precisa.
Para além da falta de registo da existência de milhões de pessoas, em muitos países não existem estruturas logísticas para fazer chegar as vacinas às populações, assim como não há tudo o que nos países ocidentais damos por adquirido. E volto a este paraíso que é a União Europeia, o que conheço melhor, para dar o exemplo do que temos e eles não têm: centros de saúde, postos médicos ou mesmo estruturas simples onde se possa montar um centro de vacinação; profissionais de saúde em número suficiente para administrar essas vacinas; condições para quem administra as vacinas se deslocar até junto das populações que têm de ser vacinadas. Pela saúde de quem nasceu fora dos paraísos ocidentais e pela nossa saúde, para atingirmos a imunidade de grupo, a nível global, a este vírus.
Porque enquanto isso não acontecer, eu que não sou cientista, atrevo-me a dizer que continuarão a surgir variantes e mutações. E a Covid demorará muito a tornar-se endémica, que é o que todos queremos para voltarmos a ter a vida que conhecíamos antes de 2020. Nós que temos garantidos direitos como a liberdade de expressão e de votação, devíamos conseguir olhar para toda a floresta e não apenas para a nossa árvore. As nossas crianças estão a salvo. As crianças dos outros é que não estão. E é o que lá se passa que continuará a ter consequências nas nossas vidas.
Um P.S. só para lembrar a história de altruísmo por trás da Fundação Mo Ibrahim.
A Fundação, que tem sedes em Londres e Dacar, foi criada pelo empresário Mo Ibrahim, um cidadão com dupla nacionalidade britânica e sudanesa, com o objetivo de promover uma melhor governação em África. E se o objetivo parece um conceito vago e muito geral, no fundo é tudo o que os povos africanos precisam: bons governos que pensem acima de tudo nos seus povos.
Mo Ibrahim pensou nisso quando em 2005 vendeu por 3.400 milhões de dólares a empresa de telecomunicações que tinha fundado e que operava em vários países africanos. Os milhares de milhões de dólares que recebeu de uma companhia de telecomunicações do Kuwait foram investidos na tentativa de mudar vidas de desconhecidos e não apenas a sua e da sua família.