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Ataque ao Capitólio: os desenvolvimentos, números e protagonistas um ano depois

Cerca de 700 pessoas já foram alvo de acusações criminais e mais de 50 foram condenadas.

Ataque ao Capitólio: os desenvolvimentos, números e protagonistas um ano depois

Um ano depois do ataque ao Capitólio, sede do Congresso norte-americano, em Washington, que matou cinco pessoas, as autoridades ainda procuram centenas de pessoas presumivelmente relacionadas com os acontecimentos, com o intuito de as responsabilizar criminalmente.

Cerca de 700 pessoas já foram alvo de acusações criminais e mais de 50 foram condenadas, mas, um ano depois do ataque ocorrido a 6 de janeiro de 2021, as autoridades ainda continuam a procurar suspeitos por crimes associados à invasão da sede do poder legislativo norte-americano.

SUSPEITO DE COLOCAR EXPLOSIVOS JUNTO AO CAPITÓLIO AINDA NÃO FOI IDENTIFICADO

Um dos suspeitos mais procurados – que foi visto a fugir pelas ruas de Washington, após ter colocado dois engenhos explosivos junto à sede do Congresso – ainda não foi identificado e não há sequer uma relação entre os explosivos e a invasão do Capitólio.

Na procura pela pessoa que deixou os explosivos junto do Capitólio, os investigadores já entrevistaram mais de 900 pessoas, coligiram 39 mil arquivos de vídeo e examinaram mais de 400 pistas.

Mas, um ano depois, os investigadores ainda não sabem se o suspeito é um homem ou uma mulher e ainda não é claro se os explosivos estavam ligados ao planeamento da invasão do Capitólio.

Até agora, 250 pessoas observadas em vídeos a atacar a polícia do Capitólio ainda não foram identificadas pelo FBI e outras 100 estão a ser procuradas por outros crimes ligados ao motim.

O ataque em números

SETE HORAS E TRÊS MINUTOS

Eram 12:57 (hora local) quando os agentes dos serviços de proteção federal do Capitólio reportaram que uma das barricadas instaladas à volta do edifício tinha sido derrubada por uma larga multidão, que se tinha concentrado no local desde as 12:30, dando início à invasão da sede do Congresso norte-americano.

Às 20:00 (hora local), a Polícia do Capitólio considerou “seguro” o edifício, garantindo condições para que o Senado pudesse voltar a reunir e validar a vitória do candidato democrata Joe Biden, nas eleições presidenciais de outubro de 2020.

Sob a liderança do vice-Presidente, Mike Pence, o trabalho dos senadores foi retomado às 20:06.

CINCO MORTOS

Quatro pessoas morreram durante o dia do ataque e um polícia morreu no dia seguinte, num hospital, devido a ferimentos sofridos enquanto procurava defender o Capitólio da multidão de apoiantes de Donald Trump.

Brian Sicknick, um polícia de 42 anos, foi atingido na cabeça com um extintor de fogo, quando procurava conter uma incursão dos assaltantes.

Ashli Babbitt, uma das invasoras, de 35 anos, morreu atingida a tiro por um dos polícias do Capitólio.

Benjamin Phillips, um informático de 50 anos, que tinha organizado uma caravana desde a Pensilvânia, para tentar travar a validação da vitória de Joe Biden, morreu de ataque cardíaco (com possível conexão com uso de drogas ilegais).

Kevin Greeson, de 55 anos, também morreu de ataque cardíaco (tinha problemas de tensão arterial), durante a excitação do ataque.

Rosanne Boyland, de 34 anos, uma habitante do estado da Geórgia e fervorosa apoiante de Trump, morreu esmagada pela multidão, na escadaria do Capitólio.

MAIS DE 100 POLÍCIAS AGREDIDOS

Para os agentes do FBI que trabalham nestes casos, o trabalho está longe de terminar: agentes de investigação têm examinado exaustivamente milhares de horas de vídeo de vigilância, segundo a segundo, para tentar obter imagens nítidas de pessoas que atacaram agentes de segurança dentro do Capitólio.

“Esta investigação leva tempo porque é muito trabalhosa, muito árdua”, disse Steven D’Antuono, o diretor responsável pelo gabinete do FBI em Washington.

“Os ataques contra os polícias são extremamente graves”, disse D’Antuono, referindo-se aos mais de 100 agentes que foram atacados por manifestantes no dia 6 de janeiro de 2021.

Num vídeo analisado pelo FBI, um homem é visto a golpear repetidamente um polícia na cabeça com uma vara de metal, enquanto tenta abrir caminho para o Capitólio; um outro vídeo revela um homem a usar um produto químico, a partir de uma lata, atirando-o contra o rosto de polícias.

MAIS DE DOIS MIL INVASORES

O FBI estimou que pelo menos 2.000 pessoas tenham estado envolvidas no ataque ao Capitólio, oriundos de praticamente todas as partes dos Estados Unidos.

700 PROCESSOS CRIMINAIS

As autoridades apresentaram cerca de 700 processos criminais contra os invasores, em quase todos os 50 estados norte-americanos. Os processos foram divididos em duas categorias: dos invasores não violentos, que foram apenas acusados de pequenos crimes; e dos invasores violentos, incluindo os que atacaram as forças policiais.

Até agora, mais de 50 pessoas foram condenadas em tribunal, quase todas brancas e a maioria associada a organizações políticas radicais, próximas do ex-Presidente Donald Trump.

Para já, apenas 19 foram colocados em prisão efetiva, com penas entre os oito meses e os 3,5 anos de cadeia.

Os protagonistas

DONALD TRUMP

Antes do ataque, Trump iniciou, a partir da Casa Branca, um discurso de uma hora em que encorajou uma multidão dos seus apoiantes a marcharem até ao Capitólio para protestarem contra aquilo que o ex-Presidente classificou como um “resultado falsificado” das eleições presidenciais, quando o Senado se preparava para validar a vitória de Joe Biden.

Nesse discurso, Trump acusou mesmo o seu vice-Presidente, Mike Pence, de ser conivente com os democratas, aceitando presidir à sessão do Senado que validaria a vitória de Biden, e prometeu que caminharia ao lado dos seus apoiantes até ao Congresso, para manifestar a sua indignação.

Trump acabaria por não participar na marcha até ao Capitólio, preferindo ficar na Casa Branca a assistir pela televisão ao ataque à sede do Congresso, mantendo-se em silêncio durante largas horas, apesar dos insistentes apelos, por parte de figuras próximas, para que ordenasse o fim da invasão, quando a situação ficou fora do controlo policial.

Apenas às 15:13 – já a invasão durava há duas horas – Trump usou a sua conta na rede social Twitter para pedir aos seus apoiantes para “permanecer em paz” e para não recorrer à “violência”, respeitando as autoridades.

Uma hora depois, Trump colocou no Twitter um vídeo em que voltava a insistir na ideia de que a eleição tinha sido “roubada”, mas pedia aos invasores do Capitólio para “regressarem a casa”, dizendo que “os amava” e dizendo que percebia o que eles sentiam.

Pelas 19:02, a empresa que controla o Twitter suspendeu a conta de Donald Trump, alegando “repetidas e graves violações das regras de integridade cívica”, tendo sido imitada pela empresa que controla o Facebook, pouco depois.

Trump viria a ser julgado no seu segundo processo de impeachment por causa da sua ação na invasão do Capitólio, mas a maioria republicana permitiu que ele fosse absolvido das acusações de “incitamento à rebelião”.

MIKE PENCE

Na véspera do ataque ao Capitólio, Pence rejeitou as instruções de Trump para recusar presidir ao Senado, na cerimónia de validação do colégio eleitoral que dava a vitória ao candidato democrata, Joe Biden.

De acordo com relatos da imprensa norte-americana, Trump insultou Pence, em privado, e, publicamente, acusou-o de ser conivente com o “roubo” das eleições por parte dos democratas.

“Mike Pence não teve a coragem de fazer o que deveria ser feito para proteger o nosso país e a nossa Constituição”, escreveu Trump na sua conta da rede social Twitter, a meio da tarde do dia 6 de janeiro de 2021.

Por essa altura, a polícia do Capitólio já tinha removido Pence da sala do Senado, para um abrigo subterrâneo no edifício, para o colocar a salvo dos invasores, que gritavam palavras de ordem contra o vice-Presidente e o ameaçavam de morte.

STEVE BANNON

A comissão do Senado que investiga a invasão do Capitólio quer saber qual o envolvimento de Bannon no grupo de apoiantes que se reuniu no Hotel Willard, para alegadamente comandar a tentativa de evitar a validação dos resultados das eleições presidenciais.

Bannon foi um dos mentores da estratégia de mobilizar os apoiantes de Trump contra a ação do Senado, como forma de recurso para travar a eleição de Joe Biden, tendo usado o seu podcast, dias antes da invasão do Capitólio, para anunciar que “o céu cairia sobre a terra” no dia 6 de janeiro.

ROGER STONE

Este conselheiro de Trump, que participou nas suas duas campanhas eleitorais, promoveu a marcha sobre o Capitólio, tendo chegado mesmo a angariar dinheiro para o protesto, de acordo com a acusação da comissão de inquérito do Congresso.

Roger Stone está ainda acusado de ter contratado elementos do grupo radical Oath Keepers para agirem, armados, na invasão do Capitólio.

MARK MEADOWS

Meadows é uma das poucas pessoas que sabe exatamente o que Trump pensou sobre a invasão do Capitólio, enquanto os seus apoiantes tentavam obstruir o trabalho do Senado, já que conversou com o Presidente nos dias anteriores e no próprio dia do ataque.

Meadows, de resto, já entregou ao Congresso mais de 6.000 páginas de documentos relativos à invasão do Capitólio e o seu testemunho será fundamental para se entender que papel teve a Casa Branca em todo este processo.

LIZ CHENEY

Cheney era o terceiro elemento mais relevante da Câmara de Representantes na hierarquia dos republicanos, até que foi marginalizada no partido, depois de ter criticado publicamente a ação de Trump no incitamento à invasão do Capitólio.

A congressista foi um dos republicanos que votou a favor do processo de destituição de Trump, por causa da sua ação no ataque ao Capitólio, que levaria ao seu julgamento no Senado, onde acabaria absolvido.

BENNIE THOMPSON

Thompson lidera, com Liz Cheney, a comissão de inquérito ao ataque ao Capitólio, tendo sido o mentor de uma estratégia de promoção de uma outra comissão independente de averiguação dos acontecimentos, que foi travada pelo Senado.

O congressista democrata está convencido de que a comissão de inquérito conseguirá ultrapassar os obstáculos colocados pelo ex-Presidente Donald Trump e pelos seus mais diretos colaboradores, admitindo que será possível “chegar ao cerne do que correu mal a 6 de janeiro”.

PAUL HODGKINS

Hodgkins apareceu em diversas fotografias a passear pelos corredores do Capitólio com uma bandeira de apoio a Donald Trump, tendo sido acusado de obstruir o trabalho das autoridades policiais.

O invasor declarou-se como culpado foi sentenciado a uma pena de oito meses numa prisão federal e a dois anos de liberdade condicionada.

Durante o julgamento, Hodgkins mostrou-se arrependido e reconheceu que a ação dos invasores “prejudicou o país”.

Congressistas reconhecem trauma um ano após a invasão

Um ano depois da invasão do Capitólio norte-americano, ainda subsistem traumas e recordações dolorosas nos congressistas que foram então ameaçados pelos apoiantes do ex-Presidente Donald Trump, revelam esta quarta-feira vários testemunhos citados pelas agências internacionais.

Quando uma multidão composta por várias centenas de pessoas irrompeu pelo edifício do Congresso, sede do poder legislativo norte-americano, muitos congressistas tiveram de ser levados para lugares seguros pela polícia do Capitólio, procurando proteger-se das ameaças físicas e verbais.

À medida que o perigo se aproximava e os invasores tentavam arrombar portas de gabinetes, congressistas ligavam às famílias e procuravam improvisar meios para se defenderem de eventuais ataques.

“Quando olhei para cima, percebi que estávamos presos”, disse Jason Crow, um membro democrata da Câmara de Representantes (câmara baixa do Congresso), que se viu encurralado num dos pisos do Capitólio.

Crow, congressista eleito pelo Colorado, tinha sido soldado e cumprido três missões no Iraque e no Afeganistão, nos Rangers, e percebeu rapidamente que a situação no Capitólio era crítica.

“A polícia tinha evacuado o piso da Câmara de Representantes, mas tinha-se esquecido de nós”, recorda esta quarta-feira Crow, que compartilha o sentimento de trauma com vários outros congressistas que viveram momentos dramáticos durante o ataque ao Capitólio.

Crow lembra-se perfeitamente dos gritos dos agentes de segurança que pediam aos congressistas para permanecerem no chão, enquanto se ouviam portas a ser derrubadas e vidros a ser partidos, à medida que os invasores progrediam nos seus intentos.

“Sei bem o que são disparos de balas. Por isso, rapidamente percebi que alguns dos atacantes estavam armados e disparavam”, disse Jason Crow.

A congressista democrata Val Demings estava entre os legisladores que se abrigaram na galeria do Capitólio e serviu-se da sua experiência de ter sido chefe do Departamento de Polícia de Orlando, na Florida, para manter a calma e transmitir confiança aos que a acompanhavam.

“Quando ouvi a polícia do Capitólio dizer que o edifício tinha sido ‘violado’, percebi que, de alguma forma, os agentes tinham perdido o controlo da situação”, recorda Demings.

Vários congressistas criaram um grupo no WhatsApp e começaram a trocar mensagens sobre o acontecimento, recordando os episódios de risco por que tinham passado.

O grupo, intitulado “Grupo da Galeria”, tornou-se uma espécie de sessão terapêutica, onde os congressistas de ambos os partidos (democratas e republicanos) se uniram num exercício de troca de experiências e de apoio mútuo, sendo evidentes as marcas deixadas pela violência da invasão do Capitólio.

Alguns congressistas, nas semanas seguintes, procuraram mesmo ajuda médica especializada, tendo sido diagnosticados com a doença de stress pós-traumático, provocada pela tensão da invasão do Capitólio.

“Mas foi o grupo do WhatsApp que mais me ajudou a superar o trauma do ataque, com as mensagens de apoio que fomos trocando”, reconheceu a congressista democrata Norma Torres, eleita pela Califórnia.

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