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“Estamos há cinco meses sem receber comida e assim a minha família ainda vai morrer de fome”

Famílias deslocadas pela guerra no norte de Moçambique queixam-se de falta de apoio.

“Estamos há cinco meses sem receber comida e assim a minha família ainda vai morrer de fome”

Várias famílias de deslocados de guerra queixam-se de falta de apoio no norte de Moçambique, depois de terem sido encaminhados para zonas de reassentamento em Mecufi, Cabo Delgado, contaram à Lusa.

“Estamos há cinco meses sem receber comida e assim a minha família ainda vai morrer de fome” disse Momade Antumane, 45 anos, casado e pai de cinco filhos.

A família fugiu de Quissanga e é uma das 55 a viver em abrigos precários na zona de reassentamento de 3 de Fevereiro, distrito de Mecufi.

Prevê-se que aquele espaço a sul de Pemba receba um total de 200 famílias, mas os recursos são escassos.

Depois de sair de Quissanga com a família, Momade Antumane relata que procurou refúgio a sul, em Pemba, capital provincial, onde foi aconselhado a seguir viagem até Mecufi. 

Só que, segundo conta, na zona de reassentamento onde foi acolhido pouco mais existe além de casas construídas com a ajuda da Cáritas, organização humanitária católica.

Antumane diz que já tem a machamba (horta) lavrada, à semelhança do que outros fizeram, mas faltam sementes para lançar à terra e produzir alimentos.

“Machamba eu tenho, mas não temos milho para semear”, lamentou.

Na mesma situação está Ali Afido, 38 anos, natural de Macomia, que procura recomeçar a vida em Natuco, outra zona de acolhimento do distrito de Mecufi, juntamente com outras 225 famílias.

“Não há água. Não há casa de banho. Estamos a sofrer. Também não há boa relação com os donos das machambas”, senhorios das terras para lavrar, segundo relata.

Para encontrar comida que permita sobreviver, é preciso sair pelas redondezas e recorrer à ajuda de outras famílias, facto que dificulta a vida de todos.

“Se nós não sairmos daqui, não é possível comer”, concluiu.

A situação foi constatada no local pelo diretor da Cáritas em Cabo Delgado, Manuel Nota, que na sexta-feira visitou os centros de reassentamento de Natuco e 3 de Fevereiro.

Naquelas zonas, coube à organização humanitária erguer 495 casas para minimizar o sofrimento da população afetada pela guerra, mas outras ajudas são necessárias.

Alertas da Unicef, PAM e ONG

As agências das Nações Unidas e outras organizações têm-se queixado de subfinanciamento da ajuda humanitária, o que tem levado ao racionamento do apoio alimentar, de forma a que possa chegar a mais deslocados.

A província de Cabo Delgado é rica em gás natural, mas, aterrorizada desde 2017 por rebeldes armados, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

O conflito já provocou mais de 3.100 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e mais de 817 mil deslocados, de acordo com as autoridades moçambicanas.

Desde julho, uma ofensiva das tropas governamentais com apoio do Ruanda a que se juntou depois a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) permitiu aumentar a segurança. 

Em 2021 o grupo ASWJ continuou a atacar aldeias, matar civis, e raptar mulheres e crianças, relata a organização, lembrando que a Unicef alertou em outubro que os rebeldes estavam a treinar e doutrinar rapazes para combaterem e que a própria HRW encontrou provas de que os combatentes estão a usar centenas de mulheres e meninas raptadas em casamentos forçados ou como escravas sexuais.

Em julho, o Programa Alimentar Mundial (PAM) alertou para o risco de uma emergência alimentar devido ao crescente número de deslocados no norte de Moçambique e tendo em conta que as organizações humanitárias não conseguiam alcançar as comunidades mais afetadas pela violência.

A HRW recordou também as denúncias de exploração sexual de mulheres em troca de ajuda humanitária em vários campos de deslocados em Cabo Delgado e sublinha que até outubro o Governo não tinha assumido o compromisso público de investigar estas alegações.

A organização disse que o Governo também não tomou qualquer medida publicamente conhecida para investigar acusações de violações dos direitos humanos por parte das forças de segurança moçambicanas nas operações antiterroristas em Cabo Delgado, nomeadamente intimidação, maus-tratos a pessoas deslocadas e uso de força ilegal contra civis.