Há poucas semanas, participei uma vez mais num congresso científico que tem reunido anualmente perto de vinte mil cientistas de todo o mundo aqui em Viena. Como sempre, foi um prazer imenso rever colegas, amigos, parceiros de caminhada académica, científica e institucional. Compartilhar e discutir os avanços mais recentes e promissores nas ciências e tecnologias que nutrimos com tanta energia, entusiasmo e espírito de missão. No entanto, este ano algo estava diferente, e não era pela omnipresente e mui responsável utilização de máscaras de proteção e prevenção.
Este ano, em que a organização apregoava aos quatro ventos os nobres desígnios da “Igualdade, Diversidade e Inclusão”, fomos esbofeteados pela dura realidade da exclusão de partes significativas da comunidade científica internacional. Ficaram assim impedidos de participar no congresso inúmeros colegas de grande mérito e verticalidade, cujos trabalhos estavam devidamente aceites e agendados para apresentação e discussão no evento. E porquê, perguntar-me-ão. Muito simples:
Uns foram excluídos com base no local de proveniência, sem qualquer base científica, e sem que tenham qualquer afinidade política com os senhores da guerra.
Outros, por estarem munidos de resultados científicos que, embora robustos a ponto de terem sido aceites para publicação em revistas internacionais de topo, chegaram a resultados inovadores de alto impacto que colocam em causa certos “consensos” em que algumas áreas científicas haviam fossilizado. Revitalizando a essência do espírito científico tão natural noutras áreas científicas que se norteiam pelo primado fundamental de permanentemente questionar, investigar, aprender.
Comecemos pela parte geopolítica:
A Ciência não deve conhecer fronteiras: juntos somos mais fortes
Os colegas oriundos de países politicamente excluídos do magno congresso fazem muita falta. Em Ciência há recorrentemente colaborações sem fronteiras, nomeadamente para estudos em que se torna necessário articular dinâmicas complexas de larga escala, como tem sucedido em alguns dos estudos que publicámos em revistas de topo como a Science e a Nature. Se olharem para os artigos verão que o âmbito geográfico inclui zonas onde hoje já não seria viável efetuar investigação colaborativa. Exemplos paradigmáticos, o facto de os nossos consórcios de investigação incluírem colegas e instituições tanto da Ucrânia como da Rússia, ou de Israel e Palestina, onde não só os cientistas se entendem bem, como ainda por cima têm realidades familiares e sociais intercruzadas. As fronteiras que a política desenha e redesenha não existem na nossa Ciência nem nas nossas casas.
Na sua maioria, os cientistas excluídos têm estado perfeitamente integrados no nosso sistema académico, científico e tecnológico, partilhando dos valores pelos quais se regem as Nações Unidas, e que estão em maus lençóis nas terras de origem por terem um posicionamento crítico relativamente às respetivas lideranças políticas. Ou seja, arriscam a vida para apelar à paz e concórdia, tornando-se, à luz de opções políticas inconsequentes, párias na sua própria terra e fora dela.
Além dos ativamente excluídos pela organização, há a lamentar a impossibilidade de participação por parte de muitos colegas que neste momento lutam pela sobrevivência e outros tantos que entretanto já pereceram como tantas outras vítimas dos conflitos armados que neste momento afligem várias regiões do globo. Também fazem imensa falta, ainda que felizmente quanto aos sobreviventes haja uma política de abertura e acolhimento por parte do Ocidente, por forma a que possam refazer as suas vidas.
Como deve então a Ciência posicionar-se perante estas situações? Muito simples: não rotularem nem discriminarem ninguém com base no país de origem. Não é banindo cidadãos de países considerados “hostis” que se ajuda as vítimas, que se resolvem conflitos, que a guerra dá lugar à paz. É mostrando ao mundo o exemplo de como é possível conviver, trabalhar, cooperar em paz, resolvendo problemas concretos que afligem a sociedade e o meio ambiente, desenvolvendo novos conhecimentos e novas soluções, em prol de um mundo melhor.
Passando à questão de cultura científica:
A Ciência a sério faz-se de permanente questionamento e aprendizagem
Perante os avanços da Ciência e da Técnica, surge em alguns sectores a tentação de cair em consensos castradores do espírito científico. De o fossilizar numa doutrina dogmática avessa a qualquer tipo de questionamento. Ao fazê-lo, silenciando qualquer esforço de evolução, de aperfeiçoamento, de contínua aprendizagem, tal “ciência” viola a sua natureza fundamental, agindo como uma seita ou doutrina política. Quando tal sucede, tais sectores tendem a ter problemas de credibilidade, com a consequente dificuldade em convincentemente veicular a sua mensagem.
Uma Ciência forte e robusta não foge ao debate. Encoraja-o, procura a verdade e vence pela qualidade e robustez da sua argumentação, das suas evidências, do seu trabalho. Sem precisar silenciar ninguém. Sem precisar amordaçar oposições, por mais injustas que sejam. Apenas uma ciência fraca e refém da mediocridade e politiquice se sente ameaçada ao ponto de vociferar contra quem a ouse questionar mesmo nos termos perfeitamente naturais de uma ciência viva, sã e operante.
Por isso, nós na Física-Matemática, ciência a sério, ciência que funciona, que acerta nas contas, que resolve problemas concretos, não temos medo de quem se insurja contra nós, sejam negacionistas ou ativistas radicais ou outros. Como cientistas, devemos tomar uma atitude prudente e pedagógica. Não silenciando os hostis, mas educando-os e ajudando-os a compreender melhor o que de facto se faz em Ciência.
Infelizmente, há sectores bastante vocais e politicamente enviesados que parecem ignorar a essência do espírito e processo científico. Deformando princípios e avanços científicos muito importantes para criar uma doutrina cega que viola a ciência que esteve na sua base. Minando a integridade científica, impedindo o seu progresso e com isso deitando um valioso legado de trabalho científico a perder.
Há séculos atrás, acreditavam as cúpulas do Conhecimento ser factual que o Sol orbitaria em torno da Terra, e que esta seria mesmo o centro do Universo. Quem ousasse questionar tal visão do mundo seria no mínimo ostracizado, e no máximo pagaria com a própria vida. Grandes vultos como Copérnico e Galileu foram tratados de forma brutalmente injusta só porque ousaram questionar o status quo.
Durante séculos vingou também a noção de que a Força era proporcional à Velocidade. Até Newton ter chegado à conclusão que era proporcional à Aceleração, recaindo na noção antiga apenas sob força de atrito que anulasse a dita aceleração.
Estes exemplos recordam-nos que a Ciência não pode agarrar-se a meia dúzia de fundamentos e cair no simplismo de construir muralhas de consenso em torno de dogmas, barricando-se na sua própria ignorância e arrastando a sociedade consigo.
A Ciência precisa de dar-se ao respeito e continuar a evoluir, mesmo em sectores em que parece que a discussão está encerrada. Porque nunca está. Aquilo que parece certo hoje, muito provavelmente será atualizado amanhã com novos conhecimentos, o que é perfeitamente natural e salutar. E é essa humildade e coragem da verdadeira Ciência que a torna mais forte, e um garante de que aconteça o que acontecer, a nossa Ciência continuará a questionar-se e evoluir, a ser de todos. Esta sim, é uma Ciência verdadeiramente viva, séria, independente, que funciona. A lutar pela verdade, a trabalhar por um mundo melhor.
Bem hajam.