"O Tribunal Penal Internacional (TPI) investiga e, quando justificado, julga indivíduos acusados dos crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional: genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crime de agressão. Como tribunal de última instância, procura complementar, e não substituir, os tribunais nacionais. É regido por um tratado internacional chamado Estatuto de Roma".
Crimes de guerra, crimes contra a humanidade, genocídio: o Tribunal Penal Internacional (TPI) foi criado há 20 anos para julgar as piores atrocidades cometidas por pessoas em todo o mundo.
Este tribunal permanente com sede em Haia, nos Países Baixos, reúne os 123 países que ratificaram o Estatuto de Roma, o seu tratado fundador que foi assinado em 1998 e entrou em vigor a 1 de julho de 2002.
O tribunal é o sucessor de Nuremberga onde foram julgados crimes nazis após a II Guerra Mundial, quando a nova ordem internacional do pós-guerra procurava um ideal de justiça global.
Os tribunais especiais para as guerras na ex-Jugoslávia na década de 1990 (TPIJ), para o genocídio de Ruanda em 1994 e para o conflito na Serra Leoa também lançaram as bases para um tribunal permanente em Haia.
Críticas e polémicas em 20 anos de existência
Críticas e polémicas marcaram as duas primeiras décadas de existência do Tribunal Penal Internacional, com um registo de apenas cinco condenações, todas de rebeldes africanos e nenhum chefe de governo, o que gerou acusações de estar a concentrar os processos em África.
A recusa de grandes potências mundiais em participar, como Estados Unidos, Rússia e China, também dificulta o alcance deste órgão judicial. Mas como o único tribunal permanente do mundo para acusações graves como genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, continua a ser a entidade judicial de último recurso para muitos países.
A invasão da Ucrânia pela Rússia no final de fevereiro de 2022 veio dar um novo fôlego ao Tribunal Penal Internacional - tornou a comunidade internacional consciente da importância do Estado de direito, observou o procurador do TPI, Karim Khan. “Se não cumprirmos a lei hoje, acho que haverá muito pouca esperança para alguém amanhã”.
Estados Unidos, Rússia e China, os grandes ausentes
Criado em 2002 para julgar indivíduos por crimes de guerra, crimes contra a humanidade ou atos de genocídio, o TPI também é competente, desde dezembro de 2017, pelo crime de “agressão”.
Os Estados Unidos e a Rússia não estão entre os países membros. A Rússia até tomou a decisão altamente simbólica de, no final de 2016, retirar do tratado a sua assinatura de 2000.
Outros países que não são membros são, por exemplo, a Ucrânia, Israel, China ou Myanmar. O TPI pode, no entanto, processar cidadãos destes países por crimes cometidos no território de um Estado-membro ou, como no caso da Ucrânia, num país não membro mas que reconheça a jurisdição do TPI.
O Conselho de Segurança da ONU pode também apresentar em juízo ao TPI situações que lhe são submetidas, como são os casos da Líbia ou do Darfur.
Cinco condenações em 20 anos
Entre 2012 e 2021, o TPI - cujos procedimentos são muito longos - proferiu cinco condenações, todas por atos cometidos em África, incluindo as dos ex-senhores da guerra congoleses Thomas Lubanga, Germain Katanga e Bosco Ntaganda, este último condenado à pena de prisão pena mais pesada, 30 anos.
Dominic Ongwen, uma criança-soldado do Uganda que se tornou comandante da brutal rebelião do Exército de Resistência do Senhor (LRA), foi condenado em 2021 por 61 acusações, incluindo gravidez forçada, uma acusação pela primeira vez declarada pelo TPI.
Em 2016, o jihadista do Mali Ahmad al Faqi al Mahdi foi condenado pela destruição em Timbuktu de mausoléus classificados como Património Mundial da Humanidade, o que é considerado um crime de guerra.
Absolvições e retrocessos fragilizaram o TPI
Uma série de absolvições controversas, retrocessos, réus que nunca compareceram fragilizaram o TPI. Atualmente há 14 investigações em curso, 2 em avaliação preliminar e 14 acusados à solta.
Desde 2014, os processos por crimes contra a humanidade contra o Presidente do Quénia Uhuru Kenyatta foram prejudicados pela vulnerabilidade das testemunhas, muitas das quais se retrataram, e os processos foram arquivados por falta de provas.
O ex-vice-presidente do Congo Jean-Pierre Bemba foi absolvido em segunda instância dos crimes cometidos pela sua milícia na República Centro-Africana.
Outra absolvição controversa foi a do ex-Presidente da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, acusado de ter cometido crimes contra a humanidade em 2010 e 2011.
O ex-Presidente do Sudão Omar el-Bashir é acusado há mais de dez anos pelo TPI de genocídio e crimes contra a humanidade durante o conflito no Darfur. Apesar de ter sido detido pelo exército sudanês em 2019, ainda não foi entregue ao TPI.
O filho do ex-ditador líbio Muammar Kadhafi, Seif al-Islam, também ainda não foi presente ao tribunal. Está acusado de dois crimes contra a humanidade: assassínio e perseguição, alegadamente cometidos em 2011 na Líbia.
Invasão da Rússia na Ucrânia e Ossétia do Sul
A primeira vez que o TPI abriu uma investigação fora da África foi em 2016 sobre a guerra entre a Geórgia e a Rússia na Ossétia do Sul em 2008. O procurador solicitou mandados de prisão em março de 2022 contra três atuais e ex-funcionários desta região separatista georgiana pró-Rússia.
O TPI também investiga desde 3 de março de 2022 a situação na Ucrânia, após a invasão pela Rússia lançada em 24 de fevereiro.
Os serviços secretos holandeses desmascaram recentemente um espião russo que estava a tentar infiltrar-se no TPI como estagiário.
Mandado de detenção contra Vladimir Putin
Ao longo dos 20 anos de existência, o TPI emitiu vários mandados de captura contra indivíduos. O mais recente e mediático foi o emitido contra o Presidente da Rússia Valdimir Putin, por crimes de guerra, pelo seu alegado envolvimento em sequestros de crianças na Ucrânia
Outras investigações em curso
Nos anos mais recentes têm sido abertos inquéritos noutras regiões do mundo sobre alguns dos conflitos mais contestados do mundo, incluindo o conflito israelo-palestiniano, Afeganistão, Myanmar e Filipinas.
Uma das mais delicadas é a investigação a alegados crimes de guerra cometidos por Israel nos territórios palestinianos.
Impasse sobre a responsabilidade norte-americana no Afeganistão
Apesar da oposição do governo norte-americano, o TPI tinha autorizado em março de 2020 a abertura de uma investigação sobre crimes de guerra e crimes contra a humanidade alegadamente cometidos por soldados norte-americanos no Afeganistão desde 2003.
Donald Trump, então Presidente dos EUA, retaliou com inéditas sanções económicas contra responsáveis do TPI, que foram suspensas pelo seu sucessor Joe Biden em abril de 2021.
A investigação foi suspensa em 2020, mas após a mudança de regime em Cabul, o novo procurador-geral do TPI, Karim Khan, solicitou a reabertura em setembro de 2021. No entanto, afastou o apuramento de responsabilidades de tropas norte-americanas, dizendo querer centrar-se nos talibãs e no grupo jihadista Daesh, o que desencadeou a contestação de organizações de direitos humanos.
Com agências