Os avanços na inteligência artificial (IA) fizeram aumentar a repressão na Internet, com Governos a aproveitarem sistemas automatizados para reforçar controlos de informação e aperfeiçoar formas de censura online, denunciou esta quarta-feira a organização Freedom House.
No relatório denominado "Freedom on the Net 2023: The Repression Power of Artificial Intelligence" [Liberdade na Internet 2023: O poder de repressão da inteligência artificial, na tradução para português], a Freedom House sublinhou que embora os avanços na IA ofereçam benefícios para a sociedade, estão a ser aproveitados por várias entidades para potencializar campanhas de desinformação online.
"Os distribuidores de desinformação recorreram a ferramentas de IA para fabricar imagens, áudio e texto, confundindo ainda mais os limites entre a realidade e o engano", diz o relatório.
Entre junho de 2022 e maio de 2023, pelo menos 47 Governos - como Rússia, Brasil, China, Índia, Angola, México, Venezuela ou Nigéria - recorreram a comentadores para manipular as discussões online a seu favor, o dobro do número registado há uma década.
Entretanto, as ferramentas baseadas em IA que podem gerar texto, áudio e imagens tornaram-se rapidamente mais sofisticadas, acessíveis e fáceis de utilizar, estimulando uma escalada preocupante destas táticas de desinformação.
No período do levantamento, a nova tecnologia foi utilizada em pelo menos 16 países para semear dúvidas, difamar os opositores ou influenciar o debate público, entre eles a China, França, Brasil, Reino Unido, Estados Unidos ou Canadá, segundo a organização sem fins lucrativos Freedom House, com sede em Washington.
A IA permitiu aos Governos melhorar e refinar a censura online, com os executivos autoritários tecnicamente mais avançados do mundo a responderem às inovações na tecnologia de chatbot de IA - uma aplicação de software que visa imitar uma conversa humana através de interações de texto ou voz -, tentando garantir que as aplicações cumpram ou reforcem os seus sistemas de censura.
A título de exemplo, os chatbots produzidos por empresas sediadas na China, diz o relatório, recusaram-se a responder às solicitações dos utilizadores sobre assuntos delicados como a repressão do movimento pró-democracia da Praça Tiananmen, em Pequim, em 1989.
"A IA pode ser usada para potencializar a censura, a vigilância e a criação e disseminação de desinformação", disse Michael J. Abramowitz, presidente da Freedom House.
"Esta é uma questão crítica para o nosso tempo, uma vez que os direitos humanos online são um alvo fundamental dos autocratas de hoje. Os Estados democráticos devem reforçar a sua regulamentação da IA para proporcionar mais transparência, fornecer mecanismos de supervisão eficazes e priorizar a proteção dos direitos humanos", instou Abramowitz.
Os quadros jurídicos em pelo menos 22 países determinam ou incentivam as plataformas digitais a implementar a aprendizagem automática para eliminar o discurso desfavorecido político, social e religioso, segundo o levantamento.
Contudo, o relatório conclui que, embora as inovações na IA tenham contribuído para o 13.º ano consecutivo de declínio global da liberdade na Internet, as formas mais antigas de repressão digital continuaram a proliferar.
O Irão sofreu a pior queda na pontuação do ano, quando as autoridades encerraram os serviços de Internet e bloquearam as redes sociais para reprimir protestos antigovernamentais.
Países como China, Cuba, Indonésia, Irão, Jordânia, Myanmar ou Uzbequistão estão entre os países cujos Governos mais aplicam formas tradicionais de censura online.
O "Freedom on the Net" é um estudo anual sobre os direitos humanos na esfera digital. O projeto avalia a liberdade na Internet em 70 países, representando 88% dos utilizadores em todo o mundo. Este relatório, o 13.º da sua série, cobriu a evolução entre junho de 2022 e maio de 2023.
Mais de 85 analistas e consultores contribuíram para a edição deste ano, utilizando uma metodologia padrão para determinar a pontuação de liberdade na Internet de cada país numa escala de 100 pontos, com 21 indicadores separados relativos a obstáculos ao acesso, limites de conteúdo e violações dos direitos dos utilizadores.
Liberdade cai pelo 13.º ano consecutivo: Irão tem maior declínio
A liberdade global na Internet diminuiu pelo 13.º ano consecutivo, segundo o relatório da organização Freedom House, que apontou a China como o pior ambiente online e o Irão como o país em maior declínio.
De acordo com o relatório “Freedom on the Net 2023: The Repression Power of Artificial Intelligence”, a repressão digital intensificou-se no Irão, país que registou o pior declínio do ano, à medida que as autoridades encerravam o serviço de Internet, bloqueavam plataformas como o WhatsApp e o Instagram, e aumentavam a vigilância numa tentativa de reprimir protestos antigovernamentais.
Apesar de o Irão ser o país em maior declínio, a China continua a manter, pelo nono ano consecutivo, o título de pior ambiente do mundo para a liberdade na Internet.
O relatório frisa ainda que Myanmar (antiga Birmânia) esteve perto de ultrapassar a China como o país com as piores condições para a liberdade na Internet, e que as condições pioraram nas Filipinas quando o ex-Presidente Rodrigo Duterte utilizou uma lei antiterrorismo para bloquear sites de notícias que criticavam a sua administração.
No período do levantamento, também o estatuto da Costa Rica como defensora da liberdade na Internet ficou em perigo, após a eleição de um Presidente cujo gestor de campanha contratou pessoas para perseguir online vários meios de comunicação do país.
A Freedom House indica que, à medida que as condições se deterioraram em 29 países, melhoraram em outros 20, apesar de os ataques à liberdade de expressão se terem tornado mais comuns em todo o mundo.
A Freedom House observou num número recorde de 55 dos 70 países abrangidos pelo relatório cidadãos a enfrentarem repercussões legais por se expressarem online, enquanto outras pessoas acabaram agredidas fisicamente ou mortas pelos seus comentários na Internet em 41 países.
Os casos mais flagrantes ocorreram em Myanmar e no Irão, cujos regimes autoritários executaram sentenças de morte contra pessoas condenadas por crimes relacionados com a expressão online.
Na Bielorrússia e na Nicarágua, onde as proteções à liberdade na Internet caíram drasticamente durante o período de cobertura, cidadãos receberam "penas de prisão draconianas" por falarem online, "uma tática central utilizada pelos ditadores de longa data Alyaksandr Lukashenka e Daniel Ortega nas suas violentas campanhas para permanecerem no poder", aponta o relatório.
"O maior declínio na escala de 100 pontos do relatório ocorreu no Irão (-5), seguido pelas Filipinas (-4) e depois pela Bielorrússia (-3), Costa Rica (-3) e Nicarágua (-3)", indicou a organização.
Artigo atualizado às 11:55 com informação sobre a liberdade online