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Os restos de um planeta antigo estarão nas profundezas da Terra

Descobertas na década de 1980, duas enormes “bolhas” no interior da Terra intrigam os cientistas. Esta semana foi divulgada uma nova teoria que dará resposta a este mistério e à origem da Lua.

Ilustração da colisão de Theia com a Terra
Ilustração da colisão de Theia com a Terra
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Na década de 1980, os geofísicos fizeram uma descoberta surpreendente: duas bolhas gigantes de material fora do comum foram encontradas nas profundezas da Terra, uma por baixo do continente africano e outra por baixo do Oceano Pacífico.

Cada bolha tem o dobro do tamanho da Lua e as investigações realizadas na última década têm revelado que são compostas por elementos diferentes daqueles que constituem o manto da Terra.

Esta semana, os cientistas propuseram uma nova teoria que poderá resolver o mistério do que são estas bolhas no manto da Terra.

Como se formou a Lua?

A teoria vigente sobre a origem da Lua é que terá sido o resultado do impacto de um planeta em formação com a Terra ainda em formação, há 4,5 mil milhões de anos.

A colisão da Terra com Theia, um protoplaneta do tamanho de Marte, teria lançado material suficiente para o espaço para que a sua aglomeração formasse a Lua.

Restava encontrar os “restos mortais” de Theia, mas não havia vestígios nenhuns, nunca foi encontrado nada nem no cinturão de asteroides nem nenhum meteorito.

A resposta está não no espaço, mas dentro da Terra, segundo um estudo publicado na Nature por uma equipa de cientistas de instituições principalmente americanas.

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Relíquias de uma enorme colisão primordial no interior profundo da Terra

A 2.900 km de profundidade, duas grandes "bolhas" têm intrigado os cientistas desde a sua descoberta na década de 1980. Encontram-se na parte inferior do manto da Terra, a camada entre o núcleo da Terra e a sua crosta. Cada uma é do tamanho de um continente e estão localizadas sob a África e sob o Oceano Pacífico.

São mais quentes e mais densas que o ambiente que as rodeia e as simulações informáticas sugerem que essas massas são “relíquias enterradas” de Theia, que penetraram na Terra no momento da colisão.

Esta colisão “foi o evento mais violento que a Terra sofreu” na sua História e o que é “muito, muito estranho” é que não haja vestígios visíveis", diz Qian Yuan, investigador de geodinâmica do Instituto de Tecnologia da Califórnia (CalTech) e autor principal do estudo.

O que o levou a questionar: "Onde estão os restos do objeto que colidiu com a Terra? A minha resposta: dentro da Terra".

Theia atingiu a Terra, então em formação, a mais de 36 mil km/h, velocidade suficiente para que parte penetrasse “muito profundamente no manto inferior da Terra”.

Esses pedaços de rocha essencialmente derretida, com várias dezenas de quilómetros de largura, arrefeceram e, ao solidificar, desceram até o limite do manto terrestre, perto no núcleo. Acumularam-se em duas massas distintas, cada uma delas maior que a Lua, segundo Yuan, que também insiste que estas conclusões continuam a ser fruto de modelos e simulações necessariamente imperfeitos.

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Atividade vulcânica e formação de continentes

Os “restos mortais” de Theia podem ser responsáveis ​​por importantes processos em curso na Terra e poderá ser uma explicação para as anomalias observadas na fronteira entre o manto e o núcleo.

Sabe-se que as bolhas encaminham a partir do manto magma ascendente para a superfície da crosta terrestre. Um fenómeno ligado às erupções vulcânicas e também à evolução dos continentes.

Para Yuan, o impacto de Theia “desempenhou um papel na evolução da Terra ao longo de 4,5 mil milhões de anos”. E é isso que, segundo ele, torna a Terra “única, diferente de outros planetas rochosos”.

“A Terra ainda é o único planeta habitável confirmado e não sabemos porquê. Esta colisão provavelmente estabeleceu a condição inicial da evolução da Terra. Estudar as suas consequências pode ajudar-nos a descobrir porque é que a Terra é diferente de outros planetas rochosos."

Assim, perceber melhor a hipótese do impacto gigante pode vir a fornecer informações sobre a evolução da Terra e de outros planetas rochosos, no nosso sistema solar e além.

“Se o nosso modelo estiver correto, as bolhas deverão ter isótopos – oligoelementos – semelhantes às rochas do manto lunar, que podem ser testadas em futuras missões à Lua”, conclui Yuan.

Com AFP e Reuters