Germano Almeida

Comentador SIC Notícias

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EUA 2024: a eleição de todos os riscos

A análise de Germano Almeida, comentador SIC, a 313 dias da eleição presidencial norte-americana de 2024. Em 10 riscos, um por cada mês que resta até ao dia decisivo de 5 de novembro de 2024.

EUA 2024: a eleição de todos os riscos
Stephen Maturen

Se em 2020 o sentimento dominante foi o de “correr com Trump”, em 2024 há duas perceções contraditórias, ambas poderosas: a de que Biden não devia recandidatar-se pela idade avançada e a de que um regresso de Trump à Casa Branca seria uma ameaça séria à democracia norte-americana. Qual deles prevalecerá?


Risco 1 - Biden não conseguir o pleno democrata

Os dados são muito preocupantes para a estratégia de reeleição de Joe Biden. Dois terços dos democratas preferiam que o candidato fosse outro (sondagem NYT/Siena College). Mesmo sem contar com oposição de outros possíveis candidatos credíveis no campo democrata (a governadora do Michigan, Gretchen Whitmer; o secretário dos Transportes, Pete Buttigieg; o governador da Califórnia, Gavin Newsom, todos optaram por não avançar, preferindo provavelmente esperar por 2028), o apoio a Biden já tremeu um pouco quando Robert Kennedy Jr. começou por concorrer no campo democrata. Perante o Presidente incumbente, obtinha cerca de um quinto das preferências democratas.

Se consumar candidatura independente, Kennedy pode mesmo roubar entre 4 e 8 pontos ao nomeado democrata (ainda que também o possa fazer a Trump, com quem tem discurso bem mais consonante, no populismo, no tom conspirativo e na demagogia). "A minha intenção é estragar a corrida dos dois: Biden e Trump", diz o filho de Bobby Kennedy.

KEVIN LAMARQUE/REUTERS

Risco 2 - Trump ser imune aos casos judiciais

Quem segue esta história desde o anúncio, em 2015, da candidatura presidencial que levaria ao triunfo em 2016, percebe bem o fenómeno. Trump prepara-se para obter pela terceira vez consecutiva a nomeação republicana – originalidade que nos ajuda a compreender que Donald se tornou um “chefe de tribo”, endeusado pelos seguidores, que querem tudo menos contestá-lo ou depô-lo.

Não ganhou? Declara-se fraude. A justiça tem provas contra ele? Culpa-se a justiça e iliba-se o culpado. Trump é que nunca é responsável para quem se entregou ao seu “mantra” populista, identitário e vingativo.

Charlie Neibergall/AP

Risco 3 - Nova interferência russa

Há várias eleições americanas (presidenciais, mas também intercalares e até locais) que a interferência russa é um problema real – não é uma opinião, é um facto identificado por relatórios das diferentes “secretas” norte-americanas. Em 2016, primeira eleição presidencial nos EUA pós anexação da Crimeia, isso terá tido um peso significativo no prejuízo das contas de Hillary e num possível benefício de Trump (ainda que não seja possível afirmar-se que tenha sido por isso que Donald foi eleito). E agora, na primeira eleição presidencial americana pós invasão russa da Ucrânia em larga escala?

Risco 4 - Interferência do Irão e da China

Teerão é o perturbador continental com vantagens óbvias no reacender da guerra no Médio Oriente. E com enorme interesse em que os EUA não retomem o Acordo Nuclear, que Trump erradamente denunciou em 2018 (há cinco anos que o regime dos aiatolas tem espaço livre para enriquecer urânio e se aproximar dramaticamente de ter capacidade nuclear).

Pequim assume rivalidade estratégica com Washington, numa competição que continuará a marcar estes estranhos anos 20 do século 21. Iranianos e chineses têm interesses claros numa vulnerabilidade americana decorrente de um processo eleitoral manchado.

Risco 5 - As guerras

A última década parecia enunciar o fim da presença americana nas guerras “overseas”. Os EUA prepararam as retiradas do Iraque, primeiro, e do Afeganistão, depois. Enquanto isso, consumava-se retração estratégica no Médio Oriente e na Europa. 24 de fevereiro de 2022 mudou tudo. A força militar americana estava de regresso ao Leste da Europa – mas só no equipamento, não com “botas no terreno” (até ver). Biden (e bem) assumiu liderança das democracias liberais na travagem da ascensão das autocracias. A invasão russa da Ucrânia deu-lhe razão. Mas depois veio 7 de outubro de 2023. Aí a coisa é diferente: Israel tinha que ser ajudada depois do trauma do horrível ataque do Hamas. Mas fê-lo (e ainda o faz) provocando uma chacina em Gaza.

A bússola moral tem pontaria certeira no palco ucraniano. Mas oscila quanto ao registo e ao destino quando se fala do conflito Israel/Hamas. Correrá Biden o risco de ter um destino trágico de estar a fazer o que é certo com Ucrânia e Israel mas isso de nada valer nas urnas?

Risco 6 - Os jovens democratas e a Palestina

O problema é evidente: 70% dos jovens democratas americanos entre os 18 e os 34 anos não concorda com a gestão do Presidente Biden da guerra Israel-Hamas. Uma maioria (51%) considera que Israel foi longe demais na retaliação ao ataque do Hamas de 7 de outubro, enquanto apenas 27% considera as ações de Israel justificadas.

O que se passou nas universidades americanas "Ivy League" nos últimos três meses (manifestações pró-Palestina, ataques a estudantes judeus) dá conta do que está em causa. Se o apoio Israel reúne consenso bipartidário no Congresso, Biden pode perder uma parte dos jovens democratas com isto. O que ajuda a compreender a pressão de Washington sobre Telavive para que a operação militar em Gaza termine o mais rápido possível.

ALAA BADARNEH / EPA

Risco 7 - A economia

Será o maior dos paradoxos do atual momento da Administração Biden. O Presidente tem uma taxa de aprovação baixíssima (entre os 35 e os 40%, no intervalo mais baixo do pior de Trump, que era até agora o Presidente americano mais impopular desde que há registos). Se olharmos para a Economia, isso, simplesmente, não faz sentido. Os EUA cresceram a 5,2% no terceiro trimestre do ano (mais que a China, muito mais que UE e Rússia).

A inflação, que passou os 10% no pós-pandemia e nos primeiros meses de invasão russa da Ucrânia, está controlada a ritmo mais rápido do que as melhores previsões anteciparam: deverá terminar o ano pelos 3%. As taxas de juro, que também se aproximaram do 10% na pior fase, está estabilizada nos 5%.

A taxa de desemprego mantém-se historicamente baixa (entre os 3.5% e os 3.7%, com 200 a 350 mil novos empregos criados mensalmente na América). Como explicar então que só 33% dos americanos aprova a “Bidenomics” (Economia de Biden)? Um mistério.

Risco 8 - A idade de Biden contar mesmo

Até agora a idade impediu Joe Biden de ser um bom Presidente? Ninguém de boa fé poderá afirmar isso. Biden nunca falhou uma assinatura, um evento importante, um discurso. As principais decisões foram boas e a única coisa que correu verdadeiramente mal (a saída desastrada do Afeganistão, em agosto de 2021) decorreu de um processo mal conduzido, que começou na Administração Trump e foi imprudentemente continuado na Administração Biden. Mas a verdade é que, tirando o lado operacional e como decisão estratégica, sair do Afeganistão foi uma opção correta e até corajosa -- como se vê agora com as prioridades Leste Europa, Médio Oriente e Indo-Pacífico, perante as guerras na Ucrânia e em Israel e a ameaça da China sobre Taiwan.

Dito isto, o fator idade, para quem terá 82 anos à data da próxima posse presidencial, é mais prospetivo, se atendermos aos quatro anos que dura cada mandato. E não há maneira de dizer isto doutra forma: os democratas estão a ser imprudentes ao insistir na nomeação de Joe Biden para segundo mandato. Em política, e a este nível, as perceções são realidade. Se a maioria do eleitorado considera que a idade de Biden é um problema capaz de alterar o sentido de voto, a idade de Biden passa mesmo a ser um problema com potencial de decidir a eleição.

Risco 9 - Os negros não se envolverem desta vez

Em 2008 e em 2012, 19 em cada 20 negros votaram no candidato democrata – que era Barack Obama. Em 2016, os negros voltaram a dar grande vantagem ao candidato democrata, mas já “só” por 4 em 5 (Hillary contra Trump). Em 2020, Biden bateu Trump nos negros por diferença idêntica, mas a “nuance” de género deve ser analisada: as mulheres negras votaram 90% em Biden; os homens negros apenas 70%. E depois há o fator mobilização. Até 2008, o voto negro pecava por ser pouco presente nas urnas. Obama mudou isso, mas Hillary voltou a fazer disso um problema. A enorme participação dos negros na Geórgia deram a Biden um triunfo surpresa em estado muito republicano até 2020. Como será agora?

Risco 10 - A democracia não estar à altura

Donald Trump voltar à Casa Branca depois de 6 de janeiro de 2021? Não parecia possível, pois não? Mas é mesmo. E isso revela um problema sério do atual estado da democracia na América. Estará a nossa democracia de referência em risco sério de desaparecer?