Quando Sara Rivers Cofield entrou na loja de roupa em segunda mão para comprar o vestido da época vitoriana, não pensou que iria encontrar uma mensagem enigmática no bolso. Durante cerca de uma década, não se sabia o que as palavras escritas neste pequeno papel significavam. Mas o código foi desvendado.
Arqueóloga de profissão e colecionadora de trajes antigos, Sara Rivers Cofield não resistiu ao vestido de ceda em tons de bronze e punhos de renda que estava na montra do Centro Comercial de Antiguidades de Searsport, no estado norte-americano do Maine. Comprou-o em dezembro de 2013, pagando 100 dólares por ele (cerca de 91 euros). Com base em catálogos da famosa cadeia de armazéns Bloomingdales, conseguiu perceber que o vestido era da década 1880.
Mas o que mais a intrigou foram dois papeis escritos que encontrou num bolso secreto do vestido. Escritas à mão estavam várias frases, compostas por palavras aparentemente aleatórias, avança a CNN. Havia também notas que aparentavam ser uma hora do dia. Entre as frases estavam estas:
“Bismark, omit, leafage, buck, bank”
“Calgary, Cuba, unguard, confute, duck, Fagan”
“Paul Ramify loamy event false new event”
Sara Rivers Cofield tentou decifrar o código, mas sem sucesso. A curiosidade era tanta que decidiu pedir ajuda aos internautas, criando uma publicação no seu blogue "Commitement to Costumes", onde publicou fotos do vestido e dos papes.
“Pensei que poderia fazer parte de uma história de espionagem”, contou, numa entrevista ao Press Herald.
Além dos papéis, Sara Rivers Cofield sabia também que a proprietária do vestido se chamava Bennett, o nome que aparecia escrito numa etiqueta. Ponderou que a mulher poderia ser uma espia ou que estes papéis mostrassem uma história de amor secreta. Pensou que poderia ser uma mensagem enviada por telégrafo, que na altura era pago por palavra.
Os papéis, conhecidos como “Azáfama Bronze de Bennett”, chegou a integrar o top 50 das mensagens não desvendadas.
Código demorou quatro anos a ser desvendado
O código acabou por ser desvendado por Wayne Chan, um investigador do Centro de Ciências de Observação da Terra da Universidade de Manitoba, no Canadá, que encontrou o enigma no verão de 2018 e começou a estudá-lo.
Comparou as palavras escritas com 170 livros de códigos telegráficos até que, em 2022, encontrou um livro que descrevia códigos meteorológicos utilizados no século XIX pelo Corpo de Sinais do Exército e pelo Gabinete Meteorológico dos EUA.
Estes códigos eram utilizados para enviar informações meteorológicas através do telegrama. As palavras representavam, na verdade, os relatórios meteorológicos de determinadas estações num determinado dia.
Por exemplo, a primeira frase – “Bismark, omit, leafage, buck, bank” – significava que na cidade de Bismarck (Território de Dacota, atual Dacota do Norte) estavam 56ºF (cerca de 13,3ºC) de temperatura e uma pressão de 0,08 polegadas de mercúrio. Estava um ponto de orvalho de 32º, observado às 22:00 e o tempo estava limpo, com vento a norte e sem precipitação. A velocidade do vento era de 12 milhas por hora e o pôr do sol foi claro.
“Provavelmente [foi] um dos códigos telegráficos mais complexos que alguma vez vi”, disse Wayne Chan ao New York Times, acrescentando que demorou quatro anos a descodificar a mensagem.
Além de encontrar o significado dos códigos, Wayne Chan pediu mapas meteorológicos antigos à Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, descobrindo que esta previsão correspondia ao dia 27 de maio de 1888. Descobriu ainda que, nessa altura, havia uma Mary C. Bennett, de Fairview, Illinois, na lista de observadores meteorológicos voluntários.
“Este código em particular não tinha qualquer objetivo de secretismo. Os códigos telegráficos eram utilizados por duas razões principais: secretismo e economia. O código meteorológico destinava-se a esta última. Como se cobrava por palavra num telegrama, eles queriam encurtar ou comprimir um boletim meteorológico no menor número de palavras possíveis para poupar”, disse, em declarações à CNN.
Wayne Chan acabou por escrever um artigo científico sobre a sua descoberta e contactou também Sara Rivers Cofield para revelar a mensagem. Para a dona do vestido, este mistério colocou em perspetiva as dificuldades que havia no passado para se saber a meteorologia, comparando com atualidade em que as previsões estão nos nossos telemóveis.