Joe Biden, atual Presidente dos EUA, obteve uma dimensão nunca antes vista de voto em branco, denominado de "não comprometido" no boletim de voto. A campanha para votar na opção "não comprometido" em vez de Joe Biden nas primárias já contava mais de 75 mil votos quando estavam contabilizados 67% dos boletins esta madrugada.
Daniela Melo, luso-americana, e professora na Universidade de Boston, afirma que ao ultrapassar os 20 mil votos, o voto não comprometido "torna-se uma questão nacional".
"O facto é que a política externa pode vir a ter um peso muito maior nesta eleição do que teve em eleições passadas, não só com a questão da Ucrânia, mas com a questão de Israel", notou.
Embora tenha vencido as primárias por mais de 80%, Joe Biden sai do Michigan com sinais preocupantes para as eleições gerais, numa altura em que falhou a mais recente tentativa de cessar-fogo no conflito Israel-Hamas, que dura desde 7 de outubro.
"O Michigan tem cerca de 200 mil eleitores de origem árabe. Mas também temos aqui uma associação com o voto jovem, que está muito alinhado. Tudo isto será interpretado como um grande desafio a Biden, porque ele tem margens muito pequenas para conseguir uma vitória", disse Daniela Melo, referindo que este é um dos estados essenciais em novembro.
Em 2016, Donald Trump venceu no Michigan por menos de 11.000 votos.
"O Michigan é um estado difícil porque Biden precisa de vários grupos, é um estado bastante heterogéneo. Ele precisa dos trabalhadores de colarinho azul nas fábricas, do voto das mulheres urbanas, do voto jovem e do voto da população árabe, que até agora tinha sido sempre previsivelmente democrata", apontou a analista.
Apesar da pressão que Biden tem exercido sobre o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, devido à violência em Gaza, muitos eleitores democratas exigem o fim imediato do apoio a Israel e responsabilizam o Presidente norte-americano.
"É um problema sério se o voto jovem, o voto árabe e o voto da ala mais progressista do partido se torna um voto de protesto e eles não aparecem nas urnas", frisou.
O estratega republicano Shermichael Singleton apontou para essa questão na CNN, dizendo que se os eleitores jovens ficarem em casa em solidariedade com os árabes-americanos que protestam o apoio a Israel, então "alguns destes estados podem ir para as mãos de Trump".
Também a analista política Karen Finney considerou que os eleitores "enviaram um sinal muito importante" à campanha democrata e a especialista Nia Malika-Henderson avisou que "Biden tem de se reunir com estas pessoas" para que sejam ouvidas.
Nas televisões norte-americanas, o consenso é de que a iniciativa de votar "não comprometido" foi bem-sucedida e deve ser interpretada por Biden como uma ameaça real. O Presidente não mencionou o protesto na reação aos resultados mas frisou que os eleitores do Michigan fizeram ouvir a sua voz.
Do lado republicano, a vitória do ex-Presidente Donald Trump também foi analisada como mostrando sinais preocupantes. A ex-embaixadora dos Estados Unidos na ONU Nikki Haley captou perto de 30% do eleitorado do Michigan, com uma porção dos eleitores a dizerem que não votarão em Trump em novembro se ele for nomeado.
"Há muitos eleitores republicanos que podem vir a votar contra Trump, e não só os apoiantes de Haley", notou o analista político Michael Genovese na CNN.
Daniela Melo também apontou para essa probabilidade, referindo que cerca de 20% dos eleitores à boca das urnas têm dito que não votarão nele.
"Se metade desses eleitores mantiver a palavra é um grande problema para Trump. Porque as margens são mesmo muito pequenas em estados como o Wisconsin, Michigan ou Pensilvânia, todos os votos contam. Se Trump tiver uma parte do eleitorado à direita que se recusa a votar nele, isso é uma vantagem direta para os democratas", salientou.
Ambos os candidatos estão com dificuldades em mobilizar o eleitorado de que precisam e a expectativa, neste momento, é que de a participação baixe em relação a 2020.
"Mas daqui até novembro muita coisa pode mudar. Estamos em águas nunca testadas", frisou Melo.