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O que se passa no Chade e no Sudão? Deslocados de guerra enfrentam crise humanitária

Quase um ano depois do início da guerra no Sudão, 1.6 milhões de pessoas fugiram do país em busca de segurança, incluindo 610.000 que encontraram refúgio no vizinho Chade. A Médicos Sem Fronteiras está no terreno e dá conta de situações graves, casos de desnutrição aguda que comprometem o sistema imunitário e aumentam o risco de doenças infeciosas.

O que se passa no Chade e no Sudão? Deslocados de guerra enfrentam crise humanitária
Giuseppe La Rosa

Alimè é uma refugiada sudanesa que deixou tudo para trás de um dia para o outro. Fugiu da guerra com a filha e encontrou refúgio em Daguessa, no Chade.

"Vi muitas coisas no Sudão. Vi casas a arder. Vi pessoas a serem mortas e feridas à frente dos meus olhos. Durante a minha fuga, vi pessoas a serem roubadas e a ficarem sem absolutamente nada", conta Aimé.

Desde que a guerra eclodiu no Sudão, em abril de 2023,1.6 milhões de pessoas fugiram do país em busca de segurança, incluindo 610.000 que fugiram para o vizinho Chade – tal como Alimè. Quase um ano depois, a região chadiana de Sila, no Leste do país, continua a ser um ponto focal de necessidades humanitárias entre as cerca de 92.000 pessoas que ali encontraram refúgio. As condições de habitabilidade são extremamente precárias, e o enorme grupo de refugiados está a pressionar os escassos recursos que já mal serviam para responder às necessidades das pessoas que ali viviam.

Só em Daguessa e Goz-Aschiyei, estabeleceram-se cerca de 50.000 pessoas, cujas necessidades têm escalado drasticamente, devido a uma limitada resposta humanitária e falta de financiamento, apesar dos esforços de organizações como a Médicos Sem Fronteiras (MSF).

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Chegam ao país em busca de proteção e assistência

Alimè não é caso único em Daguessa – longe disso. A maioria das pessoas que ali se refugiou recebe um apoio tão parco, que mal chega para sobreviver. Mesmo com uma ligação ancestral, muitos chadianos que fugiram do Sudão deixaram de ter laços tangíveis com o Chade. Chegaram ao país em busca de proteção e assistência, tal como todos os outros refugiados.

“Estou sozinha aqui”, expressa Awa, que também se refugiou no Chade. “O meu marido ficou no Sudão. Vim até à clínica da MSF, porque o meu filho adoeceu.” Diagnosticado com malária grave e diarreia, o bebé de Awa foi encaminhado e internado no centro de saúde de Daguessa, onde trabalha uma equipa da MSF para estabilizar pacientes em estado crítico.

“No campo, somos todos oriundos de sítios diferentes. Não há qualquer tipo de ligação que me permita obter facilmente ajuda de alguém. Também não tenho um cartão para receber alimentos. Recolhemos ervas nos arbustos, e vendemo-las à comunidade para termos alguma coisa para comer”, conta Awa.

“Como é que falamos de saúde e prevenção a alguém que está a morrer de fome?”

Também na aldeia de Goz-Aschiye, os residentes partilham escassos recursos com os recém-chegados, pois as distribuições de comida não cobrem as necessidades das pessoas.

“Falámos com uma mulher que nos disse que os filhos dela não comiam há quatro dias. Como é que falamos sobre saúde e prevenção com uma pessoa que está a morrer de fome?”, questiona Goumsou Mahamat Abadida, promotor de saúde da MSF na região de Sila.

Em 2023, 1.563 pacientes – todos com menos de 5 anos – foram admitidos no programa de nutrição da MSF em Sila – todos com desnutrição aguda (500 por desnutrição aguda grave e 1 063 por desnutrição aguda moderada). A desnutrição aguda compromete o sistema imunitário e aumenta o risco de contrair doenças infeciosas.

Nesse contexto, os cuidados de saúde são vitais para prevenir o agravamento da condição.

“A MSF está a tentar garantir um mínimo de cuidados médicos no campo de Goz-Aschiye, mas não está a ser suficiente para aliviar as enormes necessidades humanitárias que vemos no campo”, sublinha Goumsou.

Resposta humanitária ainda é inadequada

Desde maio de 2023, as equipas da MSF trabalham no centro de saúde de Daguessa através de clínicas móveis três dias por semana e em duas tendas de estabilização com 10 camas de capacidade. Quando recebem pacientes que requerem cuidados médicos secundários, encaminham-nos para centros médicos mais especializados.

A MSF também administra clínicas móveis em Andressa e Goz-Aschiye, onde as equipas realizam em médica 200 a 300 consultas por semana, diagnosticando infeções respiratórias, diarreia e malária, assim como imensos casos de desnutrição aguda grave em crianças com menos de 5 anos.

Para melhorar as condições de higiene e o acesso a água potável, as equipas construíram também vários furos e fornecem água através de camiões cisterna. No entanto, o acesso a água potável não atinge ainda o limiar de 15 a 20 litros por dia: a maioria das pessoas em Daguessa tem acesso a apenas 6 litros. Combinado com as condições de vida precárias, isso agrava ainda mais o risco de doenças infeciosas.

"A resposta humanitária nesta área remota ainda é inadequada devido à falta de fundos suficientes e de organizações no terreno, o que está a atrasar a entrega da ajuda necessária às pessoas deslocadas", explica o coordenador de projeto da MSF no Chade, Khatab Muhy.

"Mesmo antes da crise no Sudão, o Leste do Chade enfrentava já insegurança alimentar crónica. O afluxo de refugiados sudaneses e chadianos que regressaram no ano passado, bem como as necessidades crescentes daí resultantes, está a colocar uma pressão sobre os recursos muito limitados do país e a frágil infraestrutura de saúde."

Giuseppe La Rosa