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CONTEÚDO SENSÍVEL

Os médicos na linha da frente da guerra: “É impossível habituares-te à morte”

A correspondente da SIC na Ucrânia visitou um importante posto de apoio médico na linha da frente, na região de Lugansk.

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Noutros tempos, a floresta era conhecida por fazer parte da reserva natural de Lugansk. Um local protegido. Hoje, as árvores separam as tropas russas das ucranianas. Pelo meio há muitos segredos de guerra.

Um segredo é a localização de pontos de estabilização médica debaixo da terra. A entrada é rápida na trincheira construída em declive, para facilitar o transporte dos feridos. De baixo de terra estão dois médicos, a preparar uma refeição. É a hora de almoço. Nos períodos em que não há trabalho, a regra é: comer ou dormir.

Roman e Andriy, os dois profissionais de saúde, explicam que neste ponto de estabilização recebem os casos mais graves. Os feridos que não têm tempo para serem transportados para um hospital de campanha.

“O mais importante é o tempo. Temos um caso muito incrível: nesta mesa de operações, fizemos três vezes reanimação cardiopulmonar e conseguimos reanimar um rapaz. Ele agora está vivo, estamos muito felizes. Salvámo-lo”, conta Andriy.

Ferimentos provocados por fogo de artilharia, bombas ou traumas causados por minas levam muitas vezes a amputações. São os casos mais frequentes. E os médicos também são um alvo.

“Compreendo que a qualquer momento pode ser o último piscar de olhos da minha vida. Mas há uma altura em que simplesmente se fica em paz com isso”, afirma Roman.

“É impossível habituares-te à morte”, admite Andriy. “Às vezes as coisas tornam-se muito pesadas, podemos cair em depressão.”

“Estas coisas ficam connosco e penso que se isto tudo acabar rapidamente, vamos precisar muito de centros de ajuda psicológica a todos os que participaram nas operações de combate. Porque vai ser uma tragédia”, prevê o médico.

Apesar de tudo, Andriy tem esperança de que o fim da guerra esteja próximo. “Tenho esperança nisso. Tenho esperança porque, em casa, tenho à minha espera a mulher e os dois filhos e eu preciso de ir para casa."

Esperança é o que ajuda estes soldados a manter o foco.

“Gostava de passar as minhas férias algures na costa portuguesa. Gosto muito de Portugal, já lá estive. Foi lá que fiz surf pela primeira vez”, conta Roman. “Vivo agarrado ao sonho de regressar a Portugal para fazer surf. A ideia anima-me, mas acho que ainda vai demorar.”

Tentam não pensar muito na questão do tempo. Pensam no trabalho que têm a fazer, para que as memórias, depois da guerra, sejam sobretudo de soldados que conseguiram salvar.