A poluição por plásticos representa uma ameaça crescente à saúde humana, mas continua subestimada pelas autoridades e pela opinião pública, alerta um grupo internacional de cientistas num artigo publicado na revista The Lancet. Um aviso que surge na véspera das negociações finais sobre o primeiro tratado global sobre os plásticos, que decorrem de 5 a 14 de agosto, em Genebra.
A poluição por plásticos já afeta pessoas por todo o mundo, com maior impacto nas comunidades de baixos rendimentos, segundo um novo alerta publicado na revista científica The Lancet. Para os especialistas, trata-se de uma crise de saúde pública global que não está a ser suficientemente reconhecida.
O artigo estima que os impactos na saúde causados pelos plásticos e microplásticos tenham um custo económico superior a 1,5 biliões de dólares por ano.
Além disso, se nada mudar, a produção global de plásticos poderá quase triplicar até 2060, agravando ainda mais os seus efeitos nocivos.
O estudo sublinha que os plásticos contêm centenas de produtos químicos potencialmente perigosos, muitos dos quais não são divulgados de forma transparente pelos fabricantes. Há falta de informação sobre os volumes de produção, os usos específicos e a toxicidade dessas substâncias, conhecida ou potencial.
Para os autores, esta ausência de regulação e de transparência impede que sejam tomadas decisões informadas, quer por autoridades públicas quer pelos consumidores.
Um sistema global para vigiar os efeitos dos plásticos
Em resposta à gravidade do problema, o artigo anuncia o lançamento de um novo projeto internacional de monitorização: o Lancet Countdown on Health and Plastics, uma iniciativa inspirada no modelo de sucesso do Lancet Countdown on Health and Climate Change.
Joacim Rocklöv, professor da Universidade de Heidelberg e copresidente do novo projeto, afirma que o objetivo é garantir que a saúde humana se mantém no centro das discussões sobre poluição plástica:
"Através das suas publicações, o Lancet Countdown on Health and Climate Change levou a consideração dos impactos das alterações climáticas na saúde para o centro das discussões sobre o clima e desempenhou um papel fundamental na decisão de incorporar um foco explícito na saúde humana nas negociações climáticas anuais, começando com a COP 28. Este novo Countdown fornecerá os dados para garantir que a saúde se mantém no centro das discussões sobre a poluição por plásticos".
O primeiro tratado mundial sobre plásticos
O artigo surge na véspera das negociações finais sobre o primeiro tratado global sobre os plásticos, que decorrem de 5 a 14 de agosto, em Genebra, na Suíça.
Cerca de 180 países estarão representados nesta ronda decisiva de conversações diplomáticas, com o objetivo de criar um acordo internacional juridicamente vinculativo para combater a poluição por plásticos e com uma abordagem que abranja todo o ciclo de vida destes materiais.
Esta nova sessão, denominada INC5-2, foi agendada depois do fracasso das negociações anteriores em Busan, na Coreia do Sul, onde um grupo de países produtores de petróleo bloqueou qualquer avanço substancial.
Microplásticos já estão no nosso corpo
Os cientistas calculam que os humanos consomem dezenas de milhares de microplásticos anualmente através de alimentos, bebidas, embalagens de plástico, revestimentos e processos de produção.
Estudos recentes detetaram microplásticos em vários órgãos e fluidos do corpo humano, incluindo cérebro, pulmões, rins, cérebro, sangue e até sémen.
Apesar de ainda não se conhecerem todos os efeitos para a saúde, os cientistas defendem uma abordagem de precaução.
O artigo refere também que 57% dos resíduos plásticos não geridos são queimados ao ar livre, o que contribui para a poluição atmosférica, especialmente nos países de baixos rendimentos.
Além disso, os plásticos acumulados podem servir de habitar para mosquitos e outros microrganismos, favorecendo a transmissão de doenças infecciosas e aumentando o risco de resistência aos antimicrobianos.
"Queremos que as pessoas tenham consciência de que o plástico não é tão seguro, tão confortável nem tão barato como pensam. Os plásticos são fabricados a partir de combustíveis fósseis, contaminam os alimentos e a água, estão associados a múltiplas doenças humanas e implicam custos elevados para os sistemas de saúde e para o ambiente", alerta Philip Landrigan, um dos autores do estudo e professor na Universidade de Boston, em comunicado.
A Universidade de Boston lembra que cerca de 75% das substâncias químicas presentes nos plásticos nunca foram submetidas a testes de segurança.
O que são microplásticos – e como se diferenciam dos nanoplásticos?
Microplásticos são partículas de plástico com um tamanho entre 1 micrómetro (milésima parte de um milímetro) e 5 milímetros.
Alguns são criados propositadamente, como os que se usavam em pastas de dentes ou esfoliantes.
- Outros resultam da fragmentação de objectos maiores, como garrafas, sacos ou fibras sintéticas libertadas na lavagem da roupa.
Ainda mais pequenos - e potencialmente mais perigosos - são os nanoplásticos, com dimensões inferiores a 1 micrómetro.
- Pela sua minúscula escala, conseguem atravessar facilmente barreiras do organismo, como a barreira hematoencefálica (que protege o cérebro), a parede intestinal ou mesmo a placenta.
Muitos estudos referem-se genericamente a microplásticos, mas incluem partículas que, na prática, já pertencem à categoria dos nanoplásticos.