Guerra Rússia-Ucrânia

Compreender o conflito (III): o gás e o medo

Artigo de Germano Almeida, comentador SIC.

Compreender o conflito (III): o gás e o medo

Todos os dias, cinco pontos para percebermos o que está a acontecer no Leste da Europa – e o que pode mudar na vida de todos nós.

1 – UMA “CRISE FABRICADA A LONGO PRAZO”.

O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, já o tinha afirmado há várias semanas: uma invasão da Ucrânia era o “plano do Presidente russo, Vladimir Putin”, há “muito tempo”, numa “crise fabricada a longo prazo”. Em conferência de imprensa conjunta com o chefe da diplomacia de Kiev, Dmytro Kuleba, em Washington, Blinken disse: “O plano de Putin sempre foi invadir a Ucrânia; controlar a Ucrânia e seu povo; destruir a democracia da Ucrânia, que oferece um forte contraste com a autocracia que ele lidera; para recuperar a Ucrânia como parte da Rússia. É por isso que esta é a maior ameaça à segurança na Europa desde a segunda guerra mundial”. O que ameaça Putin é o sucesso democrático da vizinhança pós-soviética. É isso que o autocrata de Moscovo quer combater com tudo isto.

2 – A ALEMANHA FOI MAIS LONGE.

Foi a decisão mais gravosa para os interesses de Moscovo entre várias sanções conhecidas nas últimas horas: Scholz comprometeu-se a travar a certificação do gasoduto Nord Stream 2, num passo que afeta muito a estratégia energética de Berlim. O Nord Stream 2 é um projeto detido pela empresa russa Gazprom e financiado por várias empresas de energia (Engie, OMV, Shell, Uniper e Wintershall). Prevê a importação para a Alemanha de gás russo suficiente para abastecer 26 milhões de habitações. Liga, pelo Mar Báltico, a Rússia à Europa central, garantindo a comunicação Rússia-Alemanha, sem ter que atravessar a Ucrânia, a Bielorrússia e a Polónia. “Temos de reavaliar a situação, em particular em relação ao Nord Stream 2”, apontou o chanceler. O governo de Berlim já prepara alternativas, mas sabe que nenhuma chegará em menos de um ou dois anos. Biden fez pressão, Merkel fechou com Putin, Scholz confirmou a suspensão, depois da agressão de Moscovo. A Rússia queria ser o ás de trunfo do fornecimento de gás à Alemanha. Arrisca-se, agora, a ter que fazer uma escolha impensável: ou invade a Ucrânia ou mantém o negócio milionário.

3 – EUA E REINO UNIDO GUARDAM TRUNFOS PARA MAIS TARDE.

“Quem é que Putin pensa que é” para declarar países territórios que pertencem aos seus vizinhos? A pergunta é de Joe Biden e o Presidente dos EUA fê-la quando anunciou o primeiro grande pacote de sanções à Rússia nesta crise. Biden anunciou sanções às elites russas, e os seus familiares, a instituições financeiras, mas também à emissão de dívida russa. Quer isto dizer que a Rússia não pode financiar-se no Ocidente e também não pode negociar a dívida nos mercados norte-americanos e europeus. “Estamos a aplicar sanções completamente bloqueadoras a duas grandes instituições financeiras russas: ao VEB (um dos maiores bancos de investimento e desenvolvimento) e ao seu banco militar”. Estas sanções de Washington e Londres foram vistas como ainda insuficientes, tendo em conta a gravidade da ameaça. Mas Biden e Johnson estão a guardar os principais trunfos de possível dissuasão para mais tarde.

4 – A IMPROVÁVEL UNANIMIDADE EUROPEIA.

Nem a Hungria de Órban (amigo político de Putin) furou o consenso europeu de condenação a Moscovo, nem Draghi impediu a profundidade das sanções económicas. “Este é um momento particularmente perigoso para a Europa”, destacou Borrell, o Alto Representante da União Europeia (UE) para os Negócios Estrangeiros. O pacote de sanções “atingirá a Rússia e atingirá muito”. “Devido a esta situação, hoje, os países europeus deram uma resposta rápida […] e chegaram a um acordo unânime entre os 27 Estados-membros para adotar um pacote de sanções que apresentei ao Conselho após longas horas de negociações”, anunciou Borrell, após uma reunião informal convocada de urgência na véspera para discutir a imposição de sanções à Rússia.

5 – EUA VÃO ENVIAR TROPAS, CAÇAS E HELICÓPTEROS DE ATAQUE PARA O BÁLTICO.

O Pentágono confirmou os movimentos de tropas dos EUA na Europa em resposta à situação na Ucrânia. Serão enviados da Itália para a região do Báltico cerca de 800 soldados e até oito caças F-35, disse o Departamento de Defesa dos EUA. Vão ser ainda enviados 32 helicópteros de ataque AH-64 Apache para o Báltico e para a Polónia, revelou um funcionário do governo.

Biden garantiu ainda que os EUA irão continuar a prestar assistência à Ucrânia, anunciando que autorizou a movimentação militar de soldados – que já estão em território europeu – para a Estónia, a Letónia e a Lituânia, países que fazem fronteira com a Bielorrússia, onde a Rússia tem forças militares. Biden:

“Deixem-me ser claro: isto são movimentações defensivas da nossa parte. Não temos intenção de lutar contra a Rússia. Queremos a enviar uma mensagem inequívoca: que os EUA em conjunto com os aliados vai defender cada metro do território da NATO, em concordância com os acordos feitos.”