Germano Almeida

Comentador SIC Notícias

Guerra Rússia-Ucrânia

Compreender o conflito (XXXIV): com as negociações nos enganamos

Artigo de Germano Almeida, comentador SIC.

Compreender o conflito (XXXIV): com as negociações nos enganamos

Cinco pontos para percebermos o que está a acontecer no Leste da Europa – e o que pode mudar na vida de todos nós.

1 – O QUE A RÚSSIA OFERECE DECORRE DO QUE FALHOU

Moscovo está a apresentar à mesa das negociações uma aparente oferta que, na verdade, tem a ver com mera gestão do que não conseguiu no terreno. A Rússia está em controlo de danos.

Os russos oferecem redução na atividade militar em Kiev e Cherniiv como forma de retomar o processo negocial. Parece uma oferta, mas tem sobretudo a ver com gestão russa do falhanço inesperado no terreno. O Pentágono dos Estados Unidos confirma a retirada de algumas tropas destas cidades. O exército ucraniano diz, no entanto, que esta é apenas uma manobra de distração para que as tropas russas se possam reagrupar. Militares ucranianos garantem que a retirada da tropas russas apenas tem a intenção de ‘enganar’. O movimento é apenas “uma rotação de unidades individuais” com o objetivo de “enganar a liderança militar” da Ucrânia. A Ucrânia exige a abertura imediata de corredores para retirar civis de Mariupol, Kharkiv, Chernihiv e Kiev.

2 – PRIMEIRA REUNIÃO PRESENCIAL EM DUAS SEMANAS

A Turquia tem mérito na retoma das negociações, sendo que o encontro de ontem em Istambul foi o primeiro “cara-a-cara” em duas semanas. Erdogan é, para já, o vencedor na corrida pelos mediadores. Falta saber se continuará a sê-lo na próxima fase do conflito.

Mas os russos marcar a sua posição pela violência no terreno, não pelo que dizem à mesa das negociações. Talvez por isso, Joe Biden mostrou-se cético sobre como receber os sinais russos. A Ucrânia voltou a exigir que a Rússia não se oponha à adesão à União Europeia, ainda que o caminho para a neutralidade tenha que implicar a cedência no desejo de aderir à NATO.

Pelo lado russo, vai crescendo a ideia de que o caminho passa pelo reforço do Donbass e a ligação ao corredor sul, depois de garantido o controlo do mar de Azov. A solução para a Ucrânia, mais do que uma “finlandização”, pode passar por algo parecido com as coreias. Os negociadores acreditam que pode estar para breve um encontro ao mais alto nível entre Zelensky e Putin.

3 – ZELENSKY: “SINAIS POSITIVOS NÃO SILENCIAM AS EXPLOSÕES RUSSAS”

Volodymyr Zelensky disse que os sinais transmitidos nas negociações são “positivos”, mas lembrou que a Rússia ainda tem um potencial significativo para continuar a invasão da Ucrânia.

“Podemos dizer que os sinais que estamos a observar das negociações são positivos, mas não silenciam as explosões ou os projéteis russos”, realçou Zelensky.

A Ucrânia propôs adotar uma posição de neutralidade permanente em troca de garantias de segurança que prevejam, além de um cessar-fogo, um tratado internacional assinado por vários países. “A chave é o acordo sobre garantias de segurança internacional para a Ucrânia. Só com este acordo podemos acabar com a guerra como a Ucrânia precisa”, adiantou Mykhailo Podolyak, remetendo para uma posição de longa data do governo ucraniano segundo a qual Kiev adotaria uma posição de neutralidade permanente – não se juntaria a alianças militares nem hospedaria bases militares – no caso de ter garantias de segurança.

4 – OS PASSOS PARA UMA FUTURA REUNIÃO ZELENSKY/PUTIN

As condições para um primeiro encontro entre o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e o homólogo russo, Vladimir Putin, são finalmente “suficientes” e Kiev aceitará o estatuto de país neutral, disse um negociador-chefe ucraniano.

O caminho para essa reunião Zelensky/Putin passará por um encontro prévio entre os chefes da diplomacia. A Crimeia e os territórios do Donbass sob o controlo de separatistas pró-Rússia seriam “temporariamente excluídos” do acordo. Para resolver a questão específica da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, Kiev propõe um período de 15 anos de conversações russo-ucranianas.

Zelensky sentirá que tem que acelerar o processo negocial para manter a chama acesa no plano internacional. Outros temas internacionais como o acordo nuclear do Irão, a militarização do Mar do Sul da China ou tensões no Médio Oriente (Blinken esteve em Israel e com países árabes) assim o comprova.

5 – IRPIN, OUTRA CIDADE MÁRTIR

Foram divulgadas as primeiras imagens de Irpin, a cidade recuperada pelos ucranianos na segunda-feira. A poucos quilómetros de Kiev, tinha sido tomada pelos russos no início do conflito.

As imagens mostram a destruição deixada pelas tropas russas. Irpin é agora uma cidade devastada pelos bombardeamentos. Está reduzida a escombros. As provas da destruição da agressão russa não são contestáveis.