As listas são partilhadas nas redes sociais, mas a verdadeira ação é feita nas escolas. Grupos de pais norte-americanos estão a exigir às bibliotecas escolares que retirem vários livros, por abordarem temas de sexualidade, identidade sexual ou de género. Este movimento está a crescer nos Estados Unidos e já motivou mais de 330 queixas junto da Associação Americana de Bibliotecas.
No estado do Tennessee, por exemplo, a administração de uma escola votou a remoção do livro “Maus: a história de um sobrevivente” por ter imagens de nudez e asneiras. A obra de banda desenhada, da autoria de Art Spiegelman, integrava o programa do 8.º ano sobre o Holocausto e a II Guerra Mundial.
Em Wyoming, bibliotecários enfrentam acusações por disponibilizarem livros como “Sexo é uma palavra engraçada”, de Cory Silverberg, ou “Este Livro é Gay”, de James Dawson. A polémica até já chegou ao Senado: no estado do Oklahoma, um projeto de lei pretende proibir nas escolas todos os livros que abordem sexualidade, identidade sexual ou de género.
Quem quer proibir livros nas escolas e porquê? São vários os grupos de pais que se unem nesta cruzada. Entre eles está o “No Left Turn in Education” – “Não virem a educação à esquerda”, em tradução livre – que considera que estes e outros livros “são usados para espalhar ideologias radicais e racistas aos estudantes“, cita o The New York Times. Também o “Moms for Liberty” – “Mães pela liberdade” – é defensor deste movimento e partilha uma lista de livros proibidos no Facebook.
Durante o outono, a Associação Americana de Bibliotecas recebeu 330 relatos de pedidos para retirar livros, o que consideram ser um número “sem precedentes”. Além de haver um aumento de denúncias, o método de proibição é também novo: munidos de uma das várias listas de obras proibidas que estão a ser partilhadas nas redes sociais, os encarregados de educação tentam bloquear o acesso às obras em cada escola. O movimento está a acontecer em vários estados norte-americanos.
Entre as obras com mais pedidos de remoção estão “All Boys Aren’t Blue” de George Matthew – que foi denunciado em 14 estados -, “Lawn Boy” de Jonathan Evison, “Gender Queer” de Maia Kobabe e “O Olho Mais Azul” de Toni Morrison. Na lista que apresentam, estão obras como “A People’s History of the United States”, de Howard Zinn, e “O Conto de uma Aia”, de Margaret Atwood.
Quem defende a proibição dos livros garante que estas obras interferem com o direito dos pais de escolher a educação que dão aos filhos. Por outro lado, quem não concorda com este movimento afirma que a proibição das obras retira direitos aos encarregados de educação que querem que os filhos tenham acesso livre às obras. No meio ficam as escolas e bibliotecas – algumas já desenvolveram mecanismos que impedem o aluno de alugar um livro considerado proibido pelos progenitores.
Christopher M. Finan, o diretor executivo da National Coalition Against Censorship, explica ao The New York Times que este é o maior movimento contra obras literárias praticado desde os anos 1980 – quando se elevou uma tendência conservadora que tinha um objetivo semelhante. No entanto, lembra que esta intenção de proibir livros acontece em simultâneo com uma tendência crescente de escrever e publicar conteúdos mais inclusivos – seja em livros, seja nos media.
“Isto é uma confluência de tensões que sempre existiram sobre o que é apropriado ensinar às crianças”, afirma Finan. “Os mesmos problemas estão a aparecer num novo ambiente social“, acrescenta, sublinhando que se trata de uma “verdadeira confusão”.
Os bibliotecários norte-americanos temem que este movimento possa ir mais além: no Texas, o governador Greg Abbott exigiu que todas as escolas e instituições de ensino fossem investigadas, de forma a identificar “qualquer atividade criminal nas escolas públicas envolvendo a disponibilização de pornografia”, o que pode traduzir-se em processos judiciais contra os funcionários das bibliotecas. Também na Carolina do Sul, o governador pediu que a investigação da presença de “materiais “obscenos e pornográficos” – e deu como exemplo o livro “Gender Queer”.