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O jovem país chamado Timor-Leste: bandeiras enchem as ruas nos 20 anos da independência

Dezenas de países marcam presença na tomada de posse do Presidente eleito, José Ramos-Horta, e nas comemorações dos 20 anos da restauração da independência.

O jovem país chamado Timor-Leste: bandeiras enchem as ruas nos 20 anos da independência

Todos os anos, perto do 20 de maio, as bandeiras de Timor-Leste enchem as ruas do país. Por estes dias não tem sido diferente. Díli está também a ficar com a cara mais lavada, engalanada com a roupa de domingo para a festa que recorda o momento histórico, a 20 de maio de 2002, em que Timor-Leste se tornou o mais jovem país do mundo.

Delegações de dezenas de países, ao nível de chefes de Estado, governantes ou representantes oficiais visitam esta semana o país para a tomada de posse do Presidente eleito, José Ramos-Horta, e para as comemorações dos 20 anos da independência.

O Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, visita pela primeira vez Timor-Leste entre quinta-feira e domingo.

Marcelo quer fazer mais por Timor-Leste

O chefe de Estado português iniciou a visita com uma intenção: “Vamos fazer ainda mais do que temos feito”. Um encontro com Xanana Gusmão, antigo Presidente timorense, estava fora da agenda, mas os dois estiveram juntos quinta-feira de manhã.

Marcelo Rebelo de Sousa deu ainda um passeio a pé em Díli, levando na mão uma pequena bandeira de Timor-Leste, e falou da língua portuguesa como “passaporte fundamental”.

“Vamos fazer ainda mais do que temos feito”: a intenção de Marcelo no arranque da visita a Timor-Leste

Povo timorense “foi e permanece inspiração para o mundo”

O secretário-geral da ONU, António Guterres, manifestou esta quarta-feira a sua “admiração” pelo caminho que Timor-Leste “trilhou para ver realizadas as suas legítimas aspirações”, acrescentando que o povo timorense “foi e permanece uma inspiração para o mundo”.

António Guterres, que era primeiro-ministro na ocasião e foi uma importante figura neste processo de independência, no qual interveio ativamente, destacou ainda o papel que as Nações Unidas desempenharam para que o povo timorense alcançasse a liberdade e autodeterminação.

“Nunca esquecerei o imenso sentimento de alegria e júbilo que partilhámos há vinte anos, quando a bandeira timorense foi finalmente hasteada em Díli e o país reconquistou a sua independência e se tornou no primeiro novo Estado soberano do século XXI. O vosso exemplo foi e permanece uma inspiração para o mundo”, frisou.

Ramos-Horta: combate à subnutrição é prioridade absoluta

O Presidente timorense eleito, que toma hoje posse, garante que a sua “prioridade absoluta” é adotar medidas urgentes para combater a subnutrição dos mais vulneráveis e evitar que os pobres “fiquem mais pobres”.

“Para mim, a prioridade absoluta é evitar que, face a esta crise mundial, resultado da guerra da Ucrânia e da pandemia, os timorenses pobres fiquem mais pobres ainda e que venham a passar fome”, afirmou José Ramos-Horta em declarações à agência Lusa.

O aumento de preços está a fazer-se sentir há vários meses em Timor-Leste, afetando em particular bens alimentares de primeira necessidade, muitos dos quais são importados.

Entre as medidas propostas, Ramos-Horta referiu-se a um eventual programa com o apoio da UNICEF, no valor de 10 milhões de dólares (9,6 milhões de euros) por ano, para “eliminar a subnutrição infantil extrema”, especialmente virado para mães em gestação e crianças até aos dois anos. Programa a ser reforçado, a médio prazo, por uma iniciativa ainda mais ampla para a abertura de escolas pré-primárias “com condições para eliminar a subnutrição e o mau aproveitamento escolar em todo o país”.

Taur Matan Ruak: manter a estabilidade seria uma “grande prenda”

Já o primeiro-ministro timorense admite que assumir o compromisso de manter a estabilidade política e governativa no país seria uma “grande prenda” a todo o povo do país.

“Vamos comemorar o 20º aniversario e acho que isso seria uma grande prenda ao povo de Timor: assumir o compromisso de manter a estabilidade política e governativa”, afirmou Taur Matan Ruak.

Ana Gomes: as dificuldades de Timor-Leste

Ana Gomes faz um balanço positivo de 20 anos de independência.“É claramente positivo. Hoje o país está eletrificado como nunca esteve. Hoje o país tem estradas e pontes como nunca teve. Hoje tem objetivos e, sobretudo, tem uma coisa fantástica: tem muito mais povo que sempre foi a grande força de Timor-Leste”.

A diplomata considera, em declarações à Lusa, que as “grandes dificuldades” estão relacionadas com a “inevitabilidade de uma articulação dos novos poderes democráticos e de uma afinação das competências de uns e de outros”.

“Isso é particularmente complexo, num contexto que tem uma Constituição como é a de Timor-Leste, muito à semelhança da nossa, onde por vezes o poder, digamos, o poder carismático, o reconhecimento do carisma de alguns personagens, como é o caso de Xanana, não coincide necessariamente com os poderes institucionais e é evidente que tem havido, portanto, uma série de crises, mas que eu penso que, apesar de tudo têm sido resolvidas de forma democrática”, afirmou.

Ana Gomes, que na qualidade de diplomata acompanhou e trabalhou no sentido da independência do território, quando estava ocupado pela Indonésia, acrescenta que as crises que o país tem atravessado, “são crises de crescimento e de afirmação do próprio Estado”.

Cronologia: 20 anos de independência

2002

  • 20 maio: proclamação da independência perante a comunidade internacional.
  • 27 setembro: Timor-Leste é admitido como 191.º membro nas Nações Unidas.

2004

  • 20 maio: os “capacetes azuis” terminam as missões operacionais em Timor-Leste.

2005

  • 9 abril: o Presidente da Indonésia, Susilo Bambang Yudhoyono, visita oficialmente Timor-Leste, tornando-se no primeiro chefe de Estado estrangeiro a entrar em Díli após a independência.

2006

  • 28 abril: militares amotinados e que mantinham concentração em Díli, furam barreiras policiais e entram em confrontos com militares leais ao governo. Dos confrontos resultaram dois mortos e 28 feridos.
  • 26 junho: Mari Alkatiri demite-se da chefia do governo.
  • 10 julho: José Ramos-Horta, que era ministro dos Negócios Estrangeiros no governo de Alkatiri, é empossado no cargo de primeiro-ministro.

2007

  • 20 maio: José Ramos-Horta vence as eleições presidenciais.
  • 30 junho: a FRETILIN, liderada por Mari Alkatiri, vence as eleições legislativas, mas não obtém o número de lugares parlamentares necessários para governar.
  • 8 agosto: Xanana Gusmão, à frente de uma coligação de vários partidos, com maioria parlamentar, é empossado no cargo de primeiro-ministro.

2008

  • 11 fevereiro: o Presidente José Ramos-Horta é ferido com gravidade numa operação em que é abatido a tiro o major Alfredo Reinado, anunciado como autor do ataque, e o primeiro-ministro Xanana Gusmão escapa ileso a uma alegada emboscada, perpetrada pelo tenente Gastão Salsinha, um dos coordenadores do protesto de 28 de abril de 2006, e que se coloca em fuga.

2010

  • 3 março: o Tribunal de Díli condena 24 arguidos a penas de prisão entre os 16 anos e os nove anos e quatro meses no processo dos atentados de 2008 contra o Presidente José Ramos-Horta e o primeiro-ministro Xanana Gusmão.

2011

  • 4 março: Timor-Leste solicita formalmente a adesão do país à Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).

2012

  • 17 abril: o general e antigo chefe das Forças Armadas de Timor-Leste, Taur Matan Ruak, vence a segunda volta das eleições presidenciais, derrotando por quase 100.000 votos o seu adversário Francisco Guterres Lú-Olo.
  • 7 julho: o Conselho Nacional da Reconstrução de Timor-Leste (CNRT), liderado por Xanana Gusmão, vence as eleições legislativas por maioria simples.
  • 31 dezembro: a ONU termina a última missão em Timor-Leste, 13 anos depois de ter chegado para a consulta popular que levou o ex-território português à independência. Entre 1999 e 2012 passaram por Timor-Leste cinco missões da ONU, quatro das quais para a manutenção da paz. A Missão Integrada da ONU em Timor-Leste (UNMIT) foi estabelecida em 2006 na sequência da grave crise política e militar que provocou dezenas de mortos, milhares de desalojados e a implosão da polícia nacional. Durante o mandato da ONU foram realizadas as eleições legislativas e presidenciais em 2007 e 2012. 

2015

  • 16 fevereiro: o primeiro-ministro Xanana Gusmão é substituído no cargo por Rui Maria de Araújo, indicado pelo maior partido da oposição, Fretilin, numa iniciativa que visa atenuar a tensão política e garantir a estabilidade do país.

2016

  • 26 setembro: uma comissão de conciliação das Nações Unidas declarou-se competente para continuar com o procedimento de conciliação entre Timor-Leste e a Austrália sobre fronteiras marítimas, rejeitando assim a contestação de Camberra a este processo.

2017

  • 20 março: Francisco Guterres ‘Lú-Olo’, da Fretilin, vence as eleições presidenciais.
  • 22 julho: a Fretilin, de Mari Alkatiri, venceu as legislativas com uma vantagem de cerca de mil votos em relação ao CNRT, de Xanana Gusmão.

2018

  • 6 março: representantes de Timor-Leste e da Austrália assinam, numa cerimónia na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, um tratado histórico que pela primeira vez define as fronteiras marítimas entre os dois países no mar de Timor, disputadas durante décadas.
  • 12 maio: a Aliança de Mudança para o Progresso (AMP), liderada por Xanana Gusmão, vence as eleições legislativas. Na sequência dos resultados eleitorais, o ex-Presidente da República, Taur Matan Ruak, assume o cargo de primeiro-ministro.

2019

  • 23 julho: os Governos de Timor-Leste e da Indonésia chegam a acordo sobre a definição de dois troços da fronteira terrestre entre os dois países, acordando continuar a negociar para a delimitação permanente das fronteiras marítimas.

2022 

  • 27 janeiro: o ministro da Justiça de Timor-Leste, Manuel Cáceres da Costa, apresenta em Genebra a candidatura do país a um assento no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para o período 2024-2026.
  • 19 abril: José Ramos-Horta é eleito pela segunda vez para a Presidência da República, derrotando na segunda volta o Presidente incumbente, Francisco Guterres ‘Lú-Olo’.

Com Lusa