As investigações e condenações do ex-presidente brasileiro Lula da Silva em alegados casos de corrupção, denunciados pela operação Lava Jato, violaram os seus direitos políticos, concluiu esta quinta-feira o Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Num comunicado divulgado esta quinta-feira, o comité da ONU, formado por especialistas independentes que fiscalizam o cumprimento do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e os seus protocolos – um tratado internacional assinado e ratificado pelo Brasil -, informou que concluiu que Lula da Silva não foi julgado por um tribunal imparcial e que teve o seu direito à privacidade e os seus direitos políticos feridos durante as investigações de corrupção contra si.
O comité divulgou na manhã desta quinta-feira as suas conclusões, após ter considerado uma denúncia apresentada por Lula da Silva, presidente do Brasil de 2003 a 2010, sobre a forma como foi levado a julgamento na maior investigação de corrupção do país, a operação Lava Jato.
“Enquanto os Estados têm o dever de investigar e processar atos de corrupção e manter a população informada, especialmente quando um ex-chefe de Estado está em causa, tais ações devem ser conduzidas de forma justa e respeitar as garantias do devido processo”, disse o membro do Comité Arif Bulkan, citado no comunicado.
O ex-presidente brasileiro foi investigado em 2016 por suposto envolvimento em dois casos da operação Lava Jato, uma extensa investigação criminal no Brasil que descobriu casos de corrupção na estatal petrolífera Petrobras e em outros órgãos públicos do país. Processo envolveu ainda várias empresas de construção e políticos brasileiros.
A investigação destes casos de corrupção, em primeira instância, foi conduzida pelo ex-juiz brasileiro Sergio Moro que condenou Lula da Silva, mas que já foi considerado suspeito por ter atuado em combinação com o Ministério Público brasileiro e violado o dever de imparcialidade.
O Comité de Direitos Humanos da ONU lembrou que durante a investigação, o ex-juiz aprovou um pedido do Ministério Público para colocar sob escuta os telefones de Lula da Silva, de familiares e do seu advogado.
“Ele divulgou o conteúdo das escutas para a media antes de formalmente instituir acusações. Também emitiu um mandado de prisão para deter Lula da Silva para interrogatório, que vazou para a media e, consequentemente, fotos de Lula foram tiradas pela media como se ele estivesse preso”, lê-se no comunicado da ONU.
Lula da Silva cumpriu sentença enquanto os recursos estavam pendentes
O ex-juiz Sergio Moro condenou o antigo presidente do Brasil a 9 anos de prisão em julho de 2017. Em janeiro do ano seguinte, a pena de Lula da Silva foi aumentada para 12 anos pelo Tribunal Regional Federal e, em abril de 2018, começou a cumprir a sentença enquanto os recursos estavam pendentes.
O Tribunal Superior Eleitoral rejeitou a candidatura de Lula da Silva para as eleições presidenciais de outubro desse ano sob o argumento de que a legislação do país impede qualquer pessoa condenada por determinados crimes e sob certas condições de concorrer a cargos públicos, mesmo com recursos pendentes.
O Supremo Tribunal Federal do Brasil anulou a sentença de Lula em 2021, determinando que o ex-juiz não tinha competência para investigar e julgar os casos, e anulou a investigação por não ter considerado Sergio Moro imparcial.
“Embora o Supremo Tribunal Federal tenha anulado a condenação e prisão de Lula da Silva em 2021, essas decisões não foram oportunas e eficazes o suficiente para evitar ou reparar as violações”, disse Arif Bulkan.
Este comité da ONU considerou que o mandado de prisão, expedido em violação à lei interna, violou o direito de Lula da Silva à liberdade pessoal e que as escutas telefónicas e a divulgação das suas conversas ao público violaram o seu direito à privacidade.
Informou ainda que constatou que “a conduta e outros atos públicos do ex-juiz Moro violaram o direito de Lula da Silva de ser julgado por um tribunal imparcial, e que as ações e declarações públicas do ex-juiz e dos promotores violaram o seu direito à presunção de inocência”.
O Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas considerou essas violações processuais – que proibiram Lula da Silva de concorrer à Presidência em 2018 – arbitrárias e, portanto, uma violação dos seus direitos políticos, incluindo o direito de concorrer às eleições.
Por isso, os especialistas apelam para que o Brasil garanta “que quaisquer outros processos criminais contra Lula cumpram as garantias do devido processo legal e evitem violações semelhantes no futuro”.
SAIBA MAIS
- Lava Jato: ex-Presidente do Peru começa a ser julgado na segunda-feira
- Autoridades brasileiras vão pedir extradição de Nelma Kodama, primeira denunciante do Lava Jato
- Notícia SIC: Nelma Kodama diz estar a ser vítima de uma armadilha por ter denunciado o processo Lava Jato
- Lula da Silva confirma que vai candidatar-se à Presidência do Brasil
- “No Brasil somos contra o aborto”, responde Bolsonaro a Lula da Silva
- Justiça brasileira arquiva processo que levou à prisão de Lula da Silva