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Suécia e Finlândia a caminho da NATO: décadas de neutralidade a chegar ao fim?

Perguntas e respostas sobre as perspetivas de adesão dos dois países à NATO.

Suécia e Finlândia a caminho da NATO: décadas de neutralidade a chegar ao fim?

A Finlândia e a Suécia podem solicitar a adesão à NATO dentro de poucos dias, uma importante rutura das duas nações com a sua tradicional posição de neutralidade durante conflitos e de não envolvimento em alianças militares. A Rússia opõe-se à integração dois países e justificou a sua intervenção militar na Ucrânia com a expansão da aliança militar ocidental em direção a leste.

Eis uma lista de perguntas e respostas sobre as perspetivas de adesão à NATO dos dois países escandinavos:

Quais os prazos mais imediatos?

O Presidente finlandês, Sauli Niinisto, vai indicar na quinta-feira a sua posição sobre a NATO, e os partidos no poder nos dois países devem pronunciar-se no fim de semana. Caso exista uma aceitação, os dois Parlamentos possuem maiorias claras a favor do estatuto de Estado-membro, e o processo de adesão pode ser iniciado.

Neste caso, a decisão implicará o fim de 200 anos de não-alinhamento da Suécia. A Finlândia adotou a neutralidade após uma pesada derrota infligida pela União Soviética durante a II Guerra Mundial.

O apoio finlandês à adesão à NATO situou-se durante anos entre os 20-25%. Mas desde a invasão russa da Ucrânia, aumentou até 76% segundo a última sondagem. Na Suécia, 57% da população diz que pretende a adesão, num número muito superior ao registado antes da guerra no território ucraniano.

Em que momento político estão a Finlândia e a Suécia em relação à adesão à NATO?

A decisão final será anunciada pelas duas primeiras-ministras, Magdalena Andersson, da Suécia, e Sanna Marin, da Finlândia.

Enquanto os sociais-democratas finlandeses estão provavelmente a favor, os sociais-democratas suecos dividiram-se sobre a questão, e de momento promovem uma consulta interna. No entanto, a corrente cética do partido sobre a NATO parece estar a aproximar-se da hipótese da adesão.

“Tudo parece caminhar nessa direção”, disse a ex-ministra dos Negócios Estrangeiros, Margot Wallstrom.

Os Estados Unidos já manifestaram confiança e indicaram que podem responder a qualquer preocupação de segurança que os dois países possam manifestar entre o pedido de adesão e a integração plena.

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, visitou hoje os dois países para abordar “diversas questões de segurança”. Na Suécia, Boris Johnson, e a homóloga sueca, Magdalena Andersson, anunciaram um acordo de defesa e proteção mútua em caso de agressão, antes da decisão da Suécia sobre a adesão à NATO.

Porquê a adesão?

A intervenção de Vladimir Putin na Ucrânia provocou convulsões no longo sentimento de estabilidade no norte da Europa, levando a Suécia e a Finlândia a sentirem-se vulneráveis, segundo diversos analistas.

O ex-primeiro-ministro finlandês Alexander Stubb disse que a adesão à Aliança era um “acordo fechado” para o seu país quando as tropas russas invadiram a Ucrânia em 24 de fevereiro. O ministro da Defesa sueco, Peter Hultqvist, descreveu esse dia como o momento em que o líder da Rússia provou ser “imprevisível, sem confiança e preparado para manter uma guerra brutal sangrenta e cruel”.

Após ter prometido em novembro que a Suécia nunca se juntaria à NATO, agora refere-se à necessidade de as defesas das regiões nórdicas serem reforçadas caso os dois países assinem a adesão. Agora, muitos finlandeses e suecos acreditam que a NATO os poderá manter seguros numa Europa incerta.

Para os finlandeses, os acontecimentos na Ucrânia evocam um perturbante sentimento da familiaridade. Os soviéticos invadiram a Finlândia no final de 1939. Durante mais de três meses o exército finlandês opôs uma tenaz resistência, apesar da grande desproporção de efetivos. Evitaram a ocupação, mas perderam 10% do território.

Ao observarem a guerra na Ucrânia como que revivem a sua história, indicou à estação pública britânica BBC Iro Sarkka, uma cientista política da Universidade de Helsínquia. Os finlandeses olham para os seus 1.340 quilómetros de fronteira com a Rússia e pensam: “Isto poderá acontecer-nos?”, disse a académica.

A Suécia também se considerou ameaçada nos anos mais recentes, com diversas informações sobre a violação do seu espaço aéreo por aviões militares russos. Em 2014, os suecos foram surpreendidos pela informação de que um submarino russo tinha emergido junto ao arquipélago de Estocolmo. Dois anos depois, o exército sueco regressou à pequena, mas estrategicamente importante ilha de Gotland, que tinham abandonado há duas décadas.

O que pode mudar?

De diversas formas, muito pouco. A Suécia e a Finlândia tornaram-se parceiros da NATO em 1994 e desde então que se tornaram importantes contribuintes da Aliança. Participaram em diversas missões da NATO desde o final da Guerra Fria.

Um dos principais desafios será a aplicação do Artigo 5.º da NATO, que considera um ataque a um Estado-membro como um ataque ao conjunto da Aliança. Pela primeira vez, a Finlândia e a Suécia terão garantias de segurança de países com armas nucleares.

Apesar de o debate ter registado nos dois países uma rápida viragem a favor da integração, o historiador Henrik Meinander argumenta, também à BBC, que a Finlândia estava mentalmente preparada para isso. Pequenos passos em direção à NATO foram adotados desde a queda da União Soviética, referiu o especialista.

Em 1992, Helsínquia adquiriu 64 aviões de combate norte-americanos. Três anos depois, aderiu à União Europeia (UE), juntamente com a Suécia, e ainda a Áustria. Desde então, todos os Governos finlandeses avaliaram a designada opção NATO. As Forças Armadas, numa população total de 5,5 milhões, possuem 280.000 soldados, num total de 90.000 reservistas.

A Suécia seguiu outro percurso, ao reduzir o seu contingente militar e alterar as prioridades da defesa territorial para missões de manutenções da paz em todo o mundo. Mas tudo mudou em 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia à Ucrânia.

O recrutamento militar foi restabelecido e aumentaram as despesas na área da Defesa. Em 2018, todas as casas receberam panfletos do exército intitulados ‘Se regressar a crise da guerra’, e pela primeira vez desde que foram retirados em 1991.

A Finlândia já atingiu o objetivo de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) para despesas militares, solicitado pela NATO, e a Suécia tem planos para também o fazer.

Quais os riscos?

O Presidente Putin usou com frequência a perspetiva de expansão da NATO em direção à Ucrânia para justificar a sua invasão. Desta forma, a adesão da Suécia e da Finlândia à Aliança pode ser entendida como uma provocação.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo avisou sobre as “consequências” dessa decisão, e o ex-Presidente Dmitri Medvedev, um aliado próximo do líder russo, avisou que a adesão à NATO poderá implicar que Moscovo desloque armas nucleares para Kaliningrado, o enclave russo entre a Polónia e a Lituânia.

Apesar de não minimizar estas ameaças, o ex-primeiro-ministro finlandês Alexander Stubb sugere que existe um risco mais real de ciberataques russos, campanhas de desinformação e ocasionais violações do espaço aéreo.

A NATO vai tornar a Suécia e a Finlândia mais seguras?

Pelo menos na Suécia, existe uma significativa minoria que pensa que não.

Deborah Solomon, da Sociedade Sueca para a Paz e a Arbitragem, argumenta que a dissuasão nuclear da NATO aumenta as tensões e riscos na corrida aos armamentos com a Rússia. Isso complicaria os esforços de paz, alega a representante, e tornaria a Suécia num local menos seguro.

Outro receio consiste em que em caso de adesão à NATO, a Suécia deverá perder a sua posição de liderança nos esforços de desarmamento à escala global. A ex-ministra Margot Wallstrom recorda como alguns ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO foram fortemente pressionados pelos Estados Unidos para não participarem nas negociações sobre desarmamento promovidas pela ONU em 2019. Mas Hultqvist, o atual ministro da Defesa sueco, mantém que não existe contradição entre o estatuto de Estado-membro da NATO e as ambições suecas sobre o desarmamento.

Muitos dos suecos céticos sobre a adesão à NATO recuam até às décadas entre 1960 e 1980, quando a Suécia usufruiu da sua neutralidade para se afirmar como um mediador internacional e aliado do mundo colonizado.

Criticavam quer a União Soviética quer os Estados Unidos, e referem que numa determinada situação durante a década de 1970 foram o único país ocidental que apoiou o movimento ‘anti-apartheid’ na África do Sul.

Se a Suécia aderir a NATO, irá “abandonar o sonho” de ser um mediador, argumenta Solomon. A neutralidade da Finlândia era muito diferente. Surgiu como uma condição para a paz imposta pela União Soviética em 1948 através de um “acordo de amizade”. Foi encarado como uma forma pragmática de sobrevivência e de assegurar a independência do país.

A neutralidade da Suécia era uma questão de identidade e ideologia, enquanto na Finlândia era uma questão de sobrevivência, assinalou Henrik Meinander. Parte do motivo pelo qual a Suécia pode inclusive promover um amplo debate sobre a adesão à NATO relaciona-se com o facto de utilizar a Finlândia e os países do Báltico como uma “zona tampão”, considera o historiador.

A Finlândia abandonou a sua neutralidade após o colapso da União Soviética. Virou-se para o Ocidente e desejou libertar-se da esfera de influência soviética. A adesão à União Europeia foi encarada não apenas como uma forma de garantir vantagens económicas, mas também benefícios de segurança.

Iro Sarkka sugere que uma adesão à NATO em 1990 foi encarada pela Finlândia como um passo demasiado grande, e quando acabava de emergir do seu estatuto de neutralidade. Mas os tempos e as perceções do risco mudaram. Agora, muitos finlandeses dizem estar prontos.

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