O primeiro julgamento na Polónia sobre a aplicação da nova regulamentação sobre o aborto começou esta sexta-feira, contra uma mulher que ajudou outra a interromper a gravidez. Pode ser condenada até três anos de prisão.
A acusada é a ativista Justyna Wydrzynska, da organização de direitos civis Abortion Dream Team (ADT), que forneceu pílulas abortivas a uma mulher que estava na 12.ª semana de gravidez.
O ultraconservador Governo polaco introduziu, em janeiro de 2021, um endurecimento da lei contra o aborto, entretanto ratificada pelo Presidente, que levou a fortes protestos em todo o país durante semanas, apesar das restrições de circulação que tinham sido impostas na altura devido à pandemia de covid-19.
Segundo Wydrzynska, entre fevereiro e março de 2020, uma mulher cujo nome não foi divulgado entrou em contacto com ela e pediu-lhe ajuda para interromper a sua gravidez, depois de ter recorrido, sem sucesso, a uma outra associação.
A grávida já tinha tentado deslocar-se à Alemanha para se submeter ao procedimento, mas o marido ameaçou denunciá-la e impedi-la de ver o seu outro filho, vingança que cumpriu quando descobriu as 10 pílulas de misoprostol fornecidas por Wydrzynska.
As autoridades encontraram informações e medicamentos na casa da ativista, o que levou a associação ultra católica Ordo Iuris a impulsionar o processo legislativo que então decorria, contribuindo para a redação da proposta de lei. Justyna Wydrzynska foi acusada de “responsabilidade passiva” e de tráfico ilegal de medicamentos.
Centenas de pessoas compareceram na sala do tribunal onde decorre o julgamento, já que o caso mobiliza tanto os que se opõem à proibição quase total do aborto na Polónia, cuja lei é uma das mais restritivas da Europa, como os que a defendem. Apesar dos protestos da defesa, o juiz admitiu a presença em tribunal de um membro da Ordo Iuris, Jakub Sloniowski, como “representante de uma organização social”.
Pelo menos duas mulheres morreram devido a lei que prioriza o feto
Desde que o Tribunal Constitucional polaco criminalizou a interrupção da gravidez mesmo em caso de deterioração grave e irreversível do feto, pelo menos duas mulheres morreram em situações em que os médicos foram alegadamente obrigados a dar prioridade à vida do feto sobre a da mãe.
Em janeiro, uma mãe morreu de septicemia em Chestochowa, no sul da Polónia, depois de manter no corpo, durante uma semana, um feto morto, até que a equipa médica garantiu que “não havia possibilidade de salvar” a sua vida. Alguns meses antes, outra mulher, de 30 anos, morreu em circunstâncias semelhantes.
O Presidente polaco, Andrzej Duda, lamentou que apenas “a morte da mãe” tivesse sido discutida, referindo que, “infelizmente, não houve menção à morte de uma criança”.
A associação Aborto Sem Fronteiras, que assiste mulheres polacas que querem fazer abortos, atende cerca de 100 mulheres todos os dias e já ajudou 34 mil polacas que decidiram interromper a gravidez, das quais 1.544 estavam no segundo trimestre de gestação.
Além disso, mais de mil mulheres polacas interpuseram ações no Tribunal Europeu de Direitos Humanos para permitir o aborto na Polónia, uma iniciativa apoiada por mais de 200.000 assinaturas.
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