Olhares pelo Mundo

Soja: Brasil é o maior produtor do mundo e consome pouco, porquê?

Estima-se que na próxima colheita de soja no Brasil atinja o recorde de 170 milhões de toneladas, que se destinam principalmente para exportação e alimentação animal. Será só por uma questão de gosto que a soja é pouco consumida pelos brasileiros?

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O centro gastronómico do Brasil, a cidade de São Paulo, tem uma enorme e diversificada oferta de restaurantes, desde os que oferecem cortes especiais de carne grelhada até aos luxuosos sushis, mas também os que apresentam um novo ingrediente estrela: a soja.

Alguns chefs preparam cubos de tofu (feito a partir da soja) decorados com flores comestíveis e outros pratos elaborados com esta leguminosa, que se transformou numa oferta de nicho muito cara.

O preço da soja é elevado tanto nos restaurantes como nos supermercados, onde o salário de um dia de muitos brasileiros não daria para comprar 250 gramas de tofu.

Cerca de 98% da soja brasileira é composta por organismos geneticamente modificados (OGM) para resistir ao uso intensivo de herbicidas em plantações de escala industrial, o que aumentou o estigma no mercado local.

Brasil importa o pouco que consome: “É uma loucura”

Empresas que oferecem tofu e leite de soja aos clientes exigentes dependem do cultivo paralelo de soja orgânica, quase inexistente no Brasil.

"É uma loucura pensar que o Brasil é o maior produtor de soja do mundo e, atualmente, é também importador de soja", realça Gus Guadagnini, CEO da Good Food Institute Brasil.

O Good Food Institute é uma organização sem fins lucrativos, que trabalha internacionalmente para acelerar a inovação do setor de proteínas alternativas.

"A soja que é produzida no Brasil está a ser usada para a alimentação animal, quando queremos usar proteína de soja que não seja transgénica no setor alimentar, aí é necessário importar de outros países", acrescenta Gus Guadagnin, em entrevista à Reuters.

A potência agrícola é o maior produtor mundial de soja, enviando em média mais de um milhão de toneladas por semana para a China. Mas, ao contrário da Ásia e de outros mercados onde a soja é sinónimo de proteína barata para o dia a dia, os brasileiros comem tão pouco desta proteína que esta se tornou numa oferta extravagante.

A legislação brasileira não proíbe o consumo humano de soja transgênica. No entanto, as empresas não medem esforços e pagam um preço elevado para adquirir a soja tradicional, que para muitos se tornou sinónimo de ingrediente orgânico e saudável.

Bolivianos, nigerianos e russos consomem, em média, mais soja do que os brasileiros, segundo a consultora agrícola Agromeris. Constatou-se que o Brasil era o único grande mercado para alimentos feitos com soja em declínio.

Produção em massa começou na década de 1970 e trouxe danos ambientais

A produção em massa de soja começou apenas na década de 1970 no Brasil, depois da abertura do escassamente povoado interior do país ao cultivo comercial intensivo.

Os brasileiros, que diariamente amontoam feijões castanhos e pretos no arroz, ainda olham com desconfiança para os exóticos feijões de soja - quase todos cultivados para serem exportados para a Ásia e para a Europa, também para produzir rações que engordam bovinos, porcos, aves e peixes.

A previsão é que o Brasil produza um recorde de 170 milhões de toneladas de soja na próxima colheita, muito acima dos 125 milhões de toneladas dos Estados Unidos, país que ultrapassou em 2020 no top da produção mundial.

O enorme crescimento do cultivo desta leguminosa trouxe custos ambientais. Durante décadas, a expansão do cultivo de soja no Brasil contribuiu para o desmatamento na floresta amazónica e da savana do Cerrado.

Com Reuters