Uma delegação de 23 representantes das tribos Naga, do estado indiano de Nagaland, esteve recentemente no Reino Unido para exigir a devolução dos restos mortais dos seus antepassados, mantidos durante décadas em museus britânicos.
A antropóloga Dolly Kikon, professora na Universidade da Califórnia e membro da tribo Lotha-Naga, recorda que o povo Naga sempre teve consciência de que os restos mortais dos seus antepassados estavam espalhados por museus europeus, especialmente no Museu Pitt Rivers, em Oxford.
“Encontrámos livros dos anos 80, 90 e ainda dos anos 2000, onde as pessoas exibiam abertamente restos mortais humanos Naga. E tínhamos plena consciência disso”.
Apesar de ser antropóloga, Kikon sempre se recusou a estudar restos mortais humanos. “Isso sempre me desmotivou. Nunca fui ao Museu Pitt Rivers para qualquer pesquisa e mantive-me afastada”, explica à Reuters.
No entanto, em 2020, ao saber que o museu tinha retirado os restos mortais da exposição pública, contactou a diretora para iniciar um processo de repatriamento.
O espólio colonial e a mudança de consciência
Laura Van Broekhoven, diretora do Museu Pitt Rivers, diz que o museu possui cerca de 2.800 restos mortais humanos, muitos recolhidos durante o período colonial. Entre eles, 41 pertencem ao povo Naga, incluindo crânios e objetos com cabelo humano.
“Estes restos mortais eram frequentemente utilizados em práticas realmente problemáticas do que se chamava evolucionismo social”, admite Van Broekhoven.
A diretora sublinha que, há mais de um século, comunidades indígenas já expressavam o seu desagrado com a exposição dos seus antepassados. “Eles queriam que os seus antepassados voltassem para casa”, afirma. O museu está agora a tentar estabelecer diálogo com as comunidades para discutir o destino dos restos mortais.
“Não são objetos, são os nossos pertences”
A visita da delegação Naga a Oxford teve um significado profundo. Pela primeira vez, representantes das tribos não foram ao museu como investigadores, mas como descendentes diretos dos que ali estão representados "para ligar e recuperar a nossa história, a nossa cultura e os nossos pertences".
“Este museu tem o maior espólio do povo Naga do mundo, mais de 6.000 peças. Não olhamos para estes objetos como objetos. São os nossos pertences e a nossa herança”, sublinha Dolly Kikon.
Vihuto Asumi, presidente do corpo tribal Sumi Hoho, reforça o apelo:
“Acreditamos que as almas dos nossos antepassados estão inquietas. Precisam de encontrar a paz. Merecem uma homenagem graciosa e honrada em casa.”
Reparações e justiça histórica
A devolução de restos mortais e artefactos culturais tem sido uma exigência crescente em todo o mundo, como parte de um movimento mais amplo por reparações históricas. Países como a Holanda já implementaram políticas nacionais de repatriamento. No Reino Unido, há apelos para que o governo legisle no sentido de proteger os restos mortais de comunidades colonizadas.
Em Portugal será feito um inventário de bens culturais apropriados do Museu Nacional de Etnologia (MNE), o museu onde está a maioria deste tipo de bens.
Enquanto alguns argumentam que os Estados atuais não devem ser responsabilizados por crimes do passado, os defensores das reparações afirmam que é essencial lidar com os legados do colonialismo, como o racismo sistémico e estrutural.