Na sexta-feira, o cenário que estava traçado era obrigar Atenas a render-se. O braço-de-ferro com a Alemanha ia nesse sentido e só o alerta de Mario Draghi sobre as consequências das brutais fugas de capitais dos bancos gregos obrigou ao compromisso. Seria natural e sensato que todos se congratulassem com o princípio de acordo, particularmente a Alemanha e os restantes parceiros, que conseguiram convencer Varoufakis a renegar uma parte significativa das promessas eleitorais.
O acordo será bom para todos. É esse o pressuposto de um acordo. As cedências, mesmo que desequilibradas, fazem parte da negociação. Neste caso, assistimos à humilhação de quem mais cedeu. Foi notório o prazer com que o ministro alemão Schauble rematou a reunião do Eurogrupo: «Os gregos vão ter certamente dificuldades em explicar este acordo aos seus eleitores...» Revelador. E estava aqui dado o tom para o discurso dominante dos últimos dias: o Syriza não passa de um grupo de irresponsáveis, que violou as promessas eleitorais e que foi derrotado em Bruxelas sem apelo e com agravo.
Não se valoriza um acordo com a Grécia. Nem se fala sequer de governo grego. Fala-se de Syriza. As palavras não são inocentes. Na síntese do El Mundo, Tsipras está entre a espada dos eleitores e a parede dos credores. Não é verdade que não tenha conseguido concessões relevantes, mas é também verdade que a grande maioria dos condicionamentos se mantém. A Europa alemã está disposta a mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma. Por momentos, chego a pensar que tudo estava a correr bem na Grécia e que, inexplicavelmente, um bando de loucos obteve os favores dos eleitores... O que me leva a pensar que, com excepção da Grécia, tudo corre bem na União Europeia. Atenas tornou-se um desmancha-prazeres.
Portugal é um dos países que mais se sentiu beliscado pelo sedutor Varoufakis. A libertação lusa da troika está a correr tão bem que não queremos que ela falte aos gregos... É preciso que sofram como nós sofremos. Solidariedade no sofrimento. Os nossos já lá vão. Agora, todos os dias batemos recordes. As performances orçamentais e económicas enchem-nos de orgulho. O que corre mal é consequência da pesada herança socialista. Talvez por isso, tenha fugido a António Costa a boca para a verdade ao ver-se rodeado por chineses a celebrar o novo ano. Quatro anos depois de Sócrates, o país está diferente. Para escândalo socialista e regozijo da maioria, o país está melhor, mesmo que para consumo chinês. Estava perto o golpe de misericórdia nas ambições de Costa quando eis que surge a notícia de que Portugal foi colocado sob vigilância da Comissão Europeia por «desequilíbrios económicos excessivos». Não somos os únicos. Parece que boa parte da Europa padece de maleitas parecidas. Nada que uma cura alemã de austeridade não trate... A cura agravou até agora a doença, mas como veio de um país incólume, impõe-se repetir a dose. A Grécia já experimentou várias. Estava no bom caminho não tivesse surgido o Syriza...
A Europa a 28 teima em não acordar. Une-se, imagine-se, para vencer a Grécia. E não se atreve a vencer o marasmo, a investir no que sabe fazer melhor, a produzir, exportar e consumir mais. É fácil de dizer. Mas há quem pense que é pecado.
P.S.1
A Procuradoria-Geral da República é, por natureza, uma referência do estado de Direito. Por isso mesmo, devemos ser exigentes com aqueles cuja existência se justifica, pressupostamente, pela defesa dos direitos dos cidadãos. O pior que o Ministério Público pode revelar é impotência ou complacência. A leveza com que a procuradora-geral da República confessa à Renascença e ao Público o descalabro da investigação ao caso dos submarinos é preocupante. Mais do que um case study deveria servir para apurar responsabilidades. Os deslizes de magistrados e polícia criminal deveriam ter tolerância zero. E não têm. A justiça precisa de se dar ao respeito.
P.S.2
Há um mistério que alguém deve esclarecer: porque é que a decadência do edifício do Conservatório Nacional de Música é imparável, inexorável, uma fatalidade? À primeira vista, será uma consequência da crise, que cortou verbas a eito, sem sensibilidade, muito menos musical. Mas não será decerto culpa (apenas) da crise. Há décadas, há muitas décadas, que a situação se arrasta. Não é um problema de hoje, ou deste governo apenas. Recuperaram-se, e bem, muitas escolas, mas os poderes públicos teimam em não recuperar o Conservatório Nacional, um edifício e uma escola com um património histórico ímpares em Portugal. Que interesses obscuros impedem a sua recuperação?