Esta tragédia grega, consumada pelos antecessores do Syriza nas últimas décadas com o respeito e a cumplicidade dos seus parceiros, nomeadamente os do Eurogrupo, está para durar. Independentemente de todas as críticas que o actual governo grego mereça – e merece muitas -, há uma realidade credora de respeito e ilações adequadas. A Grécia é, há muito, um país desorganizado, tomado por interesses vários, um Estado frágil que, nos últimos anos, foi devastado por um programa de ajustamento que destruiu a economia, fez disparar a dívida para números insustentáveis e produziu uma crise social gravíssima. Os resultados em nada comoveram os credores e parceiros europeus. O que «ofereceram» e «oferecerão» à Grécia é o prolongamento da mesma receita. Pouco importa se a inteligência nos diz que é preciso deixar respirar o homem que tem muito para nos pagar...
Desde que chegou ao poder, o governo de Tsipras tentou sempre convencer os parceiros a mudar de política. Não o conseguiu. Se outros beberam o sangue do ajustamento, também eles teriam de o beber. Ainda assim, gradualmente, tentaram aculturar-se à linha dominante. Na semana passada, antes do bloqueio e do anúncio do referendo, os gregos aceitavam cortes na ordem dos 8 mil milhões e medidas que dificilmente passariam no Parlamento de Atenas. Não era suficiente. Desesperados, surpreenderam tudo e todos com o referendo. Curiosamente, o ministro
alemão Schauble tinha sugerido ao governo grego, no início de Maio, um referendo perante o impasse que já então se sentia nas negociações com os credores...
O referendo grego tem uma intenção politica louvável, mas é destituido de qualquer rigor. Louvável porque perante o impasse negocial e um conjunto de medidas que renegavam quase tudo o que Syriza defendia se devolveria a palavra ao soberano. Sem rigor porque surge fora de prazo e pergunta por algo que já não está em cima da mesa. Um dos gestos reveladores dos credores/parceiros foi retirar de imediato a sua proposta. O sim ou não dos gregos será a algo inexistente. Claro que sempre se poderá dizer que o sim ou o não terão como destinatários o próprio governo e os credores, o euro ou a saída do euro, a Europa ou o isolamento. Mas não é isso que se pergunta. O referendo fazia sentido há um mês, como propunha Schauble, agora não. A Grécia violou prazos, compromissos, e pôs em perigo o financiamento do país.
Em qualquer caso, temo que a tentação de humilhar a Grécia esteja na cabeça dos contabilistas, donos e senhores do nosso destino. Temo que a revolta grega se transforme em submissão. Nem uma nem outra bons sinais para a barca encalhada europeia. A desgraça grega é a nossa desgraça, por maiores que sejam os cofres da imunidade. A indecisão europeia sobre o seu rumo tem no euro a imagem de uma Europa ao contrário. Sem cimento político construiu uma moeda coxa. O melhor exemplo está bem espelhado na mulher que já nos habituámos a ver sentada nas instituições europeias, como se fosse óbvia a sua presença. Christine Lagarde, a directora-geral do FMI, é a contabilista-mor da Europa. A Grécia bem quis fugir da troika, mas caiu nas malhas dos credores. Também por culpa própria. Também por desespero. Segunda-feira começaremos a perceber a dimensão da agonia.