Que Marcelo Rebelo de Sousa era muito diferente de Cavaco Silva, já toda a gente sabia. Que ele seria um Presidente da República hiperativo, também. O que, se calhar, poucos imaginavam, era que Marcelo Rebelo de Sousa tivesse um plano tão bem delineado para este início de mandato.
Depois das eleições legislativas, o País ficou profundamente dividido. O processo até à tomada de posse do atual governo foi traumático para uns, libertador para outros, mas abriu ainda mais o fosso entre esquerda e direita. O centro eclipsou-se. E Cavaco Silva tornou-se na última pessoa capaz de apanhar os cacos e devolver a normalidade ao país. Marcelo Rebelo de Sousa viu mais longe. Percebeu, antes de qualquer um no seu partido, que António Costa ia ser primeiro-ministro e que não havia forma de travar isso. Por isso nunca o hostilizou, bem pelo contrário. Que o País não se podia dar ao luxo de continuar numa crispação permanente e que as instituições precisavam, com urgência, de retomar a normalidade democrática. Por isso fez o discurso dos afetos e da pacificação. Mais importante ainda, percebeu que o papel do Presidente da República é fazer pontes, não é implodi-las.
Em menos de dois meses de mandato, e nem sempre da forma mais ortodoxa, Marcelo acertou mais do que aquilo que errou. Acertou no convite que fez ao presidente do Banco Central Europeu para vir ao Conselho de Estado, numa altura em que o país se debate com graves problemas no setor financeiro. Foi à origem do problema. Acertou quando se colocou ao lado do primeiro-ministro e o quis ajudar a resolver o problema no BPI, para grande irritação do PSD. Não teve medo de assumir uma posição. Acertou quando fez um discurso no 25 de Abril que foi aplaudido à esquerda e à direita. Conseguir isto cinco meses depois de uma crise política, é reforçar o papel da Presidência da República. E acertou quando decidiu sair à rua para se aproximar das pessoas. Reaproximou a política dos cidadãos.
Errou menos vezes, mas também errou. Quando falou publicamente do BPI e dos problemas do setor financeiro, como se ainda fosse comentador televisivo. Assuntos com este grau de melindre não podem, não devem, ser tratados na praça pública, nem pelo Presidente da República nem, já agora, pelo Primeiro-ministro. Errou quando anunciou que uma eurodeputada estava a caminho do Banco de Portugal antes mesmo de estar nomeada. É uma descortesia institucional, que não fica bem ao Presidente da República.
É assim, às vezes acerta-se, outras erra-se e, no final, os melhores são os que erram menos. E a verdade é que Marcelo Rebelo de Sousa ainda não teve de enfrentar crises políticas como todos os seus antecessores. Aí se perceberá se o retrato oficial de Marcelo como presidente será uma selfie com gente à volta, ou sozinho. Até agora a Presidência dos afetos parece estar a correr bem. Se vai ser sempre assim? Só Deus sabe. E, como sabemos, Cristo já desceu à terra para lhe trocar as voltas.