Esta pergunta central tem de ter resposta rápida, cabal e definitiva, sob pena de degradação rápida do relacionamento institucional entre a Presidência da República, o Governo, a hierarquia Militar e os órgãos de Justiça.
Para a maior parte dos cidadãos, o roubo de um grande lote de munições e armas dos paióis de Tancos, que mais tarde reapareceram na Chamusca, não passa de mais uma história para rir, própria da desorganização nacional que tantas vezes entra no imaginativo anedotário português.
Se as munições e armas foram roubadas e voltaram a aparecer, o assunto está resolvido, para quê tanta insistência das televisões e dos jornais nessa história?
Acontece que a insistência no assunto não vem dos jornais e das televisões, vem da parte do Comandante Supremo das Forças Armadas, o Presidente da República.
Quase todos os dias, Marcelo Rebelo de Sousa vem a público exigir o esclarecimento rápido do caso de Tancos.
Isto significa que o caso não está esclarecido. E se não está, apesar do alegado reaparecimento das armas roubadas, então qual a hipótese que falta esclarecer?
Falta esclarecer esta hipótese: todas, ou pelo menos boa parte das munições e armas roubadas em 2017 em Tancos nunca mais reapareceram. Nunca mais foram recuperadas. Foram roubadas e vendidas no mercado negro do tráfico nacional e internacional de armas.
Nesta hipótese, o alegado reaparecimento das armas na Chamusca foi apenas uma farsa para encobrir o verdadeiro roubo ocorrido em Tancos.
E quem é que estaria interessado no disfarce do verdadeiro roubo? A própria hierarquia militar, a começar pelas altas patentes que têm de responder pela segurança de Tancos e de todos os outros paióis do país.
Admitir o verdadeiro roubo é admitir que houve cúmplices dentro do quartel, que esses cúmplices não poderiam ter agido impunemente e por muito tempo sem conhecimento dos seus superiores, e dos superiores dos seus superiores, etc.
Todos os indícios apontam para a validade desta hipótese como a mais provável para o que aconteceu em Tancos. Quem a escreveu com clareza foi José António Saraiva, no jornal SOL. Esta hipótese merece aprofundamento.
O Presidente da República diz claramente aos portugueses que o caso não está esclarecido, sinal de que continua a ter suspeitas sérias de que algo de muito grave se passou e está a ser encoberto.
O primeiro-ministro e o líder da oposição, na sua troca de recados, mostram saber muito mais do que admitem.
A caixa suplementar de munições alegadamente encontrada na Chamusca que não era de Tancos denuncia claramente que todo o lote, ou pelo menos grande parte, seria uma substituição ardilosa das armas e munições que efetivamente desapareceram de Tancos e não o redescobrir dessas armas. A origem das munições e armas da Chamusca seria assim de outros paióis como Santa Margarida ou até mesmo do material que nunca tinha saído de Tancos.
As notícias mais recentes de que continua a haver armas e munições em falta vem na mesma linha.
E a proibição, da parte dos comandantes da Unidade Militar de Santa Margarida, de a Polícia Judiciária entrar no perímetro, na altura do alegado reaparecimento, o que é que significa?
Que era preciso tempo para alguém refazer os inventários e realinhar os números de série das munições e armas alegadamente reencontradas?
Isto porque, como foi dito publicamente na altura do roubo pela estrutura militar, os paióis do Campo de Santa Margarida passaram a concentrar as armas e munições de Tancos por estes paióis já não oferecerem segurança.
A chave para a descoberta deste segredo de Estado está assim nas listas de inventário e de números de série de todo o material de Tancos antes do roubo, de todo o material alegadamente roubado e descoberto na Chamusca e de todo o material depositado em Santa Margarida antes e depois do roubo e do suposto reaparecimento.
Na hipótese de roubo verdadeiro, o papel da Polícia Judiciária Militar já não seria de recuperação e encenação da descoberta das armas de Tancos para evitar a responsabilização de alguns poucos militares, mas sim de encobrimento de um roubo real, muito grave para a imagem da Instituição Militar, do Estado perante os cidadãos e do País perante o exterior.