Para a história dos Óscares de Hollywood, “Parasitas”, de Bong Joon-ho, uma produção da Coreia do Sul, vai ficar como um acontecimento realmente transformador: pela primeira vez, um filme que não é falado em língua inglesa conseguiu obter a mais importante das estatuetas douradas. A saber: o Óscar de melhor filme do ano [2019].
Provavelmente, o seu estatuto será reforçado por uma rara condenação: o próprio Presidente dos EUA mostrou-se indignado com a consagração de “Parasitas”. Num comício, Donald Trump considerou que, como se não bastassem os problemas de trocas comerciais com a Coreia do Sul, ainda lhes vão dar o Óscar… Sugeriu mesmo que talvez fosse oportuno voltar a filmes como “E Tudo o Vento Levou” (1939) ou “Sunset Boulevard/Crepúsculo dos Deuses” (1950)…
É bem verdade que “E Tudo o Vento Levou”, o lendário épico sobre a Guerra Civil, e “Sunset Boulevard”, um requiem por uma estrela dos tempos primitivos de Hollywood, são admiráveis objectos de cinema. Acontece que correspondem a épocas históricas e conjunturas de produção que, para o melhor ou para o pior, não se repetem. “Sunset Boulevard” [video: trailer original] é mesmo um filme-espelho de Hollywood, celebrando uma “star” — interpretada pela mítica Gloria Swanson — que, no princípio da década de 50, correspondia já a uma memória irrecuperável.
O que mudou não foi apenas a capacidade de expansão comercial do cinema da Coreia do Sul (e, em geral, das cinematografias asiáticas) no mercado dos EUA — aliás, vale a pena recordar que o impacto de “Parasitas” começou em maio de 2019, em França, com o seu triunfo no Festival de Cannes. O sistema de Hollywood passou a existir numa rede de cada vez mais diversificados de complexos laços com a produção e a distribuição asiática, a ponto de a rentabilização de determinados filmes “made in USA” poder depender da respectiva performance em países como a China, a Coreia do Sul ou a Índia.
O triunfo de “Parasitas” nos Óscares foi também a expressão de uma dinâmica realmente global e globalizante em que a questão da nacionalidade de um produto artístico se tornou, ela própria, relativa. Para nos ficarmos pelo exemplo mais óbvio, porque mais contundente, lembremos que o mercado de exibição da China cresceu de forma espectacular nos últimos anos (ultrapassando os 60 mil ecrãs). No top das receitas (referentes a 2018), os EUA continuaram a liderar, com 11,08 mil milhões de dólares, logo seguidos pela China com 9,5; em terceiro lugar surge outro país asiático, Japão, com 2,09; em quarto e quinto lugares encontramos, respectivamente com 1,72 e 1,58 mil milhões, o Reino Unido e a Coreia do Sul.