Opinião

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O impacto que o futebol tem nas emoções dos seus mais fiéis seguidores

Não tendo competências nem qualificações para me debruçar sobre o tema, não deixo de constatar aquilo que me parece muito óbvio: este é de facto um fenómeno à parte, sem paralelo à escala mundial.

Não faltam por aí estudos sobre o impacto que o futebol tem nas emoções dos seus mais fiéis seguidores. Há inclusivamente teses de mestrado e de doutoramento assentes nessa ideia, a da transcendência que o jogo tem na forma como pode alterar e adulterar o estado normal de algumas pessoas.

Não tendo competências nem qualificações para me debruçar sobre o tema, não deixo de constatar aquilo que me parece muito óbvio: este é de facto um fenómeno à parte, sem paralelo à escala mundial.

Um dos exemplos mais recentes (entre milhares que podiam aqui ser citados) ficou bem patente no último derby lisboeta.

Para os lados da Luz, a indignação centrou-se em dois momentos: no golo anulado a Di Maria e na simulação de Marcus Edwards, que ludibriou momentanemente o árbitro da partida; para as bandas de Alvalade, o foco esteve no (alegado) penálti por assinalar sobre Pedro Gonçalves e na (suposta) agressão de Di Maria a Matheus Reis.

O que é que ambos têm em comum? Uns e outros foram totalmente incapazes de assumir, de forma consciente e racional, que os lances cinzentos, os tais momentos mais críticos e subjetivos do jogo, aconteceram sim... mas para os dois lados.

A cegueira, a paixão, a sensação implícita de perseguição, a ode à vitimização e a gigantesca parcialidade que o coração impõe afeta de tal forma a lucidez que os mais indefetíveis não conseguem enxergar o óbvio, embora o óbvio estivesse bem à frente dos seus olhos. Dos olhos de toda a gente.

É ou não é maravilhoso, o jogo da bola?

Aqui há uns anos arbitrei na Luz um derby que me correu pessimamente. Já falei dele publicamente.

Um dos seus momentos mais relevantes foi o penálti mal assinalado por alegada carga sobre Jardel, que o meu amigo Caneira nunca cometeu (onde andavas tu, querido VAR?).

Até hoje são muitos, mas mesmo muitos os adeptos benfiquistas que me recordam esse momento, alimentando convictamente a ideia de que ali - numa partida disputada na primeira volta, em meados de dezembro e com tantas jornadas para jogar - o campeonato "ficou decidido". Até hoje, nenhum deles conseguiu reconhecer que, nesse mesmo jogo, também foi (muito) mal assinalado outro penálti, esse contra o Sporting, por braço na bola de Beto que naquelas circunstâncias nunca devia ter sido sancionado.

Um erro para um lado, golo. Um erro para outro, golo. E clareza para aceitar isso?

Há algo que não duvido: não o fazem por mal nem de forma consciente. Esses adeptos, muitos deles ligados às estruturas em si, estão convictos do que dizem. Falam o que genuinamente sentem e pensam. Só não têm capacidade emocional para perceber que estão a olhar para a parte e não para o todo.

Mas esta deliciosa "desonestidade emocional" não é coisa apenas de uns ou de outros. É igual entre todos os que vivem o clube de forma demasiado apaixonada, sejam meninos de cidade ou de aldeia, sejam adultos sem escolaridade ou malta com formação universitária.

Naturalmente que nem todos são afetados pela cegueira corrosiva da paixão. Há os que têm capacidade elogiável para separar as águas e perceber aquilo que, na verdade, devia ser óbvio para todos: erro e acerto andam de mãos dadas.

Mais cedo ou mais tarde, todas as equipas (todas!) foram, são ou serão beneficiadas ou prejudicadas por decisões dos árbitros.

Qualquer pesquisa rápida na internet consegue servir "os três grandes" (e todos os outros clubes) com erros contra e a favor... às dezenas. Basta um clique e capacidade para ver com olhos de ver.

Enquanto o discernimento não bater à porta dos mais apaixonados, teremos sempre gente a queixar-se do fora de jogo que não era, mas que foi igual àquele que um dia foi e deu tanto jeito, tal como teremos gente a explodir contra a expulsão que devia ser mas que em tempos não foi e ainda bem. E também teremos gente que simplesmente não tem capacidade para entender que, no final da competição, trinta e quatro etapas e nove meses depois, o melhor, o mais consistente, o mais forte, o que melhor dominou as variáveis que dependiam de si, é como será sempre o justo campeão.

Fazer o quê? É muito amor, meus senhores.

Venha o próximo.