Cinco pontos para percebermos o que está a acontecer no Leste da Europa – e o que pode mudar na vida de todos nós:
1 – A RÚSSIA ESCALA NA VIOLÊNCIA E NO OBJETIVO DE DESTRUIR A UCRÂNIA. As últimas 24 horas foram de profundo agravamento da situação no terreno – e o mais assustador é que fica a ideia de que isto só o início e está muito longe de ser o pior que esse conflito mostrará. As imagens de destruição e morte que nos chegam de Kharkiv, Kherson, Irpin, Izhium, Zitomyr ou Sumy levam-me a recordar, para início de análise, que razão tinha o Presidente dos EUA, Joe Biden, quando, há uns meses, em entrevista à ABC News, respondeu sobre Vladimir Putin: ”Sim, diria que ele é um assassino”. Na altura pareceu um exagero imprudente. Por estes dias surge como uma constatação óbvia. Autoridades ucranianas confirmaram esta quinta-feira a tomada da cidade portuária de Kherson, cidade com 290 mil habitantes no sul do país, por parte de tropas russas. É o maior centro urbano tomado pelos russos desde o passado dia 24. Vale a pena notar que o Governo chinês pediu à Rússia, no início de fevereiro, que não iniciasse a invasão da Ucrânia antes do fim dos Jogos Olímpicos de Inverno que decorreram na China. O The New York Times cita fontes do dos Estados Unidos e uma fonte de um Governo europeu, refere que um relatório dos serviços de inteligência ocidental disse que altos funcionários chineses pediram aos seus homólogos russos, no início de fevereiro, para não invadirem a Ucrânia antes do final dos Jogos Olímpicos de Inverno, em Pequim. Ora, isso mostra-nos duas coisas: a China já sabia que Putin queria invadir a Ucrânia e os avisos dos EUA de que a Rússia ia avançar com a agressão militar depois dos Jogos Olímpicos estavam corretos. O encerramento do certame de Pequim foi dia 20 e o avanço russo começou a 24, faz hoje uma semana. Lembro que no dia de abertura dos jogos, 4 de fevereiro, o Presidente chinês, Xi Jinping, e Putin fizeram declaração conjunta contra o Ocidente e prometeram enfrentar juntos o que consideram “ameaças à segurança”.
2 – PUTIN AVANÇA PARA A LEI MARCIAL NA RÚSSIA. Sucedem-se os sinais de que os cenários mais pessimistas e preocupantes são os que estão a prevalecer. Aberta que está a discussão sobre a possível entrada da Suécia e da Finlândia para a NATO, tão concreta é a ameaça russa de expandir a sua agressão a esses dois países nórdicos, quatro caças russos violaram ontem o espaço aéreo sueco a leste da ilha de Gotland, no mar Báltico. O Exército sueco especificou: “Dois Sukhoi Su-27 e dois Sukhoi Su-24 violaram o nosso espaço aéreo “. Convém lembrar que já em janeiro, a Suécia enviou tanques e dezenas de militares armados para as ruas de Visby, uma cidade portuária na ilha de Gotland, no mar Báltico, numa ação incomum tomada em resposta ao aumento da “atividade russa” na região. A medida surgiu depois de três navios russos terem navegado no mar Báltico, cruzando o estreito do Grande Cinturão na Dinamarca. entretanto, o secretário do Conselho de Segurança Nacional da Ucrânia, Oleksiy Danilov, afirmou que a Rússia pretende decretar Lei Marcial em seu território. A medida deve ser implementada amanhã, sexta-feira. A informação é da Ukrinform (Agência Nacional de Notícias da Ucrânia) e sustenta-se nos dados dos serviços de informação da Ucrânia. A Lei Marcial, que Zelensky decretou para a Ucrânia há uma semana no início da guerra, é uma norma instituída em casos de conflitos, que troca as leis e autoridades civis por leis militares. É com base nela que, por exemplo, na Ucrânia os homens entre os 18 e os 60 anos não podem sair do país e são chamados a combater os russos.
3 – UMA NEGOCIAÇÃO SEM CREDIBILIDADE. O Secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, reforçou a apelo: “Se o Presidente Putin quer demonstrar liderança, deveria permitir que os soldados russos voltem a casa junto das famílias. Os Estados Unidos continuam com os esforços diplomáticos. Mantemos aberta a porta a um caminho diplomático. Mas isso vai ser muito difícil de acontecer sem contenção militar. É muito mais difícil a diplomacia ser bem-sucedida com armas aos tiros, blindados no terreno e aviões no ar. Enquanto a Rússia continuar a recusar a diplomacia, nós faremos o mesmo”. Está marcada para hoje uma segunda ronda de negociações entre as delegações russa e ucraniana. A Ucrânia exige o cessar-fogo imediato e essa foi, de resto, uma pré-condição imposta pelo Presidente Zelensky nas duas entrevistas televisivas que deu na terça à noite. A reunião terá lugar numa região da fronteira entre a Bielorrússia e a Polónia. Enquanto não surge o cessar-fogo russo, o governo de Zelensky tem a noção clara que só a conjugação de duas coisas o podem salvar: a resistência heróica do exército e do povo ucraniano e a ajuda da comunidade internacional, nomeadamente de UE, EUA, Reino Unido e NATO, embora sempre com a salvaguarda de que não haverá tropas internacionais em solo ucraniano.
4 – A ESPERANÇA EUROPEIA. Se Volodomyr Zelensky é a grande figura internacional que emerge nesta primeira fase da guerra, a Presidente da Comissã Europeia, Ursula von der Leyen, mostra-se, na minha opinião, como uma líder sólida que, tal como na pandemia, soube compreender a singularidade do momento. A União Europeia está a desmentir os céticos e os críticos, respondeu rápido e com firmeza, e ao contrário de muitas previsões, não perdeu o consenso a 27 nos momentos fundamentais – e foram muitos – da primeira semana desta guerra que mudará a face da Europa. Von der Leyen falou num “choque entre o Estado de direito e a força das armas, entre a democracia e a autocracia” e sublinhou: “Todos nós sofremos dois anos de pandemia e preferíamos concentrar-nos na recuperação. MAS A LIBERDADE NÃO TEM PREÇO. “Os ucranianos estão a defender a sua vida, mas também defendem os valores universais e estão dispostos a morrer por eles. Esta crise está a mudar a Europa”. Ontem, na Assembleia Geral da ONU, foi aprovada resolução, por 141 dos 193 Estados-membros da organização, que “condena a agressão russa à Ucrânia” e “exige que Moscovo ponha fim à ofensiva e retire imediata e incondicionalmente as suas tropas” e também “condena a decisão da Rússia de aumentar o alerta das suas forças nucleares”. Intitulada “Agressão contra a Ucrânia”, a resolução apela ainda ao acesso sem entraves à ajuda humanitária e “lamenta o envolvimento da Bielorrússia” no ataque à Ucrânia. Entre os cinco países que votaram contra estão, obviamente, a Rússia e a Bielorrússia, mas também a Síria, a Coreia do Norte, a Eritreia. Houve 35 abstenções entre as quais se destaca a China, que voltou assim a não estar ao lado da Rússia, tal como tinha feito há dias no Conselho de Segurança.
5 – “PUTIN, HAIA ESTÁ À TUA ESPERA”. O presidente da Câmara Municipal de Vilnius, capital da Lituânia, quer ver o Presidente russo, Vladimir Putin, julgado por crimes de guerra no Tribunal de Haia e pintou essa mensagem numa rua em frente à embaixada da Rússia: “Putin, Haia está a à tua espera”. Antiga república soviética, Estado-membro da União Europeia desde 2004, situada a norte da Bielorrússia, a Lituânia apoia a Ucrânia, pelo que o presidente da Câmara Municipal de Vilnius, Remigijus Šimašius, quer ver Vladimir Putin julgado no Tribunal de Haia por crimes de guerra. O Tribunal Penal Internacional (TPI) já confirmou que está a abrir uma investigação sobre a situação que se vive Ucrânia.No total, 39 estados encaminharam suspeitas de atrocidades da Rússia para investigação do TPI. Em comunicado, o promotor do TPI, Karim Khan, escreve: “A 28 de fevereiro, anunciei a minha decisão de solicitar a autorização para abrir uma investigação sobre a situação na Ucrânia, com base nas conclusões anteriores do meu Gabinete decorrentes do exame preliminar abrangendo quaisquer novos supostos crimes que sejam da competência do Tribunal Penal Internacional”. O trabalho de recolha de provas já começou.