Em dezembro de 2020, mais de 250 cientistas assinaram uma carta extraordinária e sui generis, que facilmente poderia fazer parte das coleções de ficção-científica do século XX. A declaração atestava:
“Como cientistas e estudiosos de todo o mundo, apelamos aos legisladores para se inteirarem do risco de perturbação ou mesmo o colapso de sociedades. Após cinco anos de falhanços para reduzir emissões em linha com o acordo climático de Paris, agora teremos de enfrentar as consequências… investigadores em muitas áreas consideram que um colapso será um cenário credível durante este século…”
Os cientistas prosseguiam, e acrescentavam que:
“Infelizmente, este cenário [de colapso] não é suficientemente reportado nos media, e está totalmente ausente de discussões políticas e na sociedade em geral… Estamos unidos na consideração que esforços para suprimir este debate são obstáculos à possibilidade de uma transição para uma nova sociedade.”
Como doutorando, com uma tese em limites de sustentabilidade e colapso de sociedades, pretendo contribuir, de alguma maneira, para a consciencialização sobre estas matérias. Proponho que, longe de ser um devaneio de escritores de ficção-científica, o colapso da nossa sociedade moderna, industrial, capitalista e profundamente interligada (ou “projeto civilizacional”, como lhe tenho vindo a chamar) se tornou um cenário plausível, legítimo e, de modo algum, inesperado.
Recentemente publiquei um artigo científico (Abegão, 2022) no qual exploro os principais elementos que considero estarem na génese do colapso do “projeto civilizacional.
Estes incluem:
1) Uma visão de Pollyanna da realidade e da natureza humana, dominada pelas falácias de excepcionalismo (do inglês exceptionalism) e supremacia humana relativamente às leis que governam todos os seres vivos;
2) Um projeto humano que ultrapassou limites biofísicos;
3) Fatores persistentes com um impacto sem precedente;
4) Uma civilização com uma complexidade incomparável;
5) O mito moderno da Cornucópia;
6) Tendências sociais e comportamentais mal adaptativas;
7) Perda de resiliência;
8) Relutância social e política de abandonar o status quo.
E podemos passar a examinar cada um deles em maior detalhe.
- Excepcionalismo, supremacia humana e a visão Pollyanna
As conceções de ‘excepcionalismo’ e supremacia humana (também conhecidas como antropocentrismo) tendem a colocar o Homo sapiens num patamar distinto de todas as outras espécies, reivindicando capacidades singulares e superiores perante todas as outras. Há muito que pode ser dito, e escrito, sobre as raízes deste excepcionalismo humano, mas é importante clarificar que tanto as religiões monoteístas (Conty, 2021) como a revolução científica (Srinivasan & Kasturirangan, 2016) foram implicadas na disseminação e popularização desta doutrina.
As religiões por promoverem, como em Génesis:28, e passo a parafrasear, ‘a multiplicação humana e o domínio da Terra e de todas as suas criaturas’. E no caso da ciência, a exaltação de conceitos como ‘desenvolvimento’, ‘progresso’, ‘prosperidade’ e ‘bem-estar humano’, que se tornaram propósitos sacrossantos associados à promoção da ciência, mas que, infelizmente, não podem ser dissociados de um crescente monopólio do planeta, da transformação dos seus recursos para uso humano e a inevitabilidade da sua degradação.
Este excepcionalismo alega que a humanidade foi elevada acima das forças e leis que regem os seres vivos do planeta, através da sua inteligência excecional e capacidade tecnológica para resolver problemas. Nestas circunstâncias, a narrativa que prevalece é a de que o ser humano transcendeu forças da natureza. Particularmente aquelas avançadas por Malthus (1766-1834), que dizem respeito aos fatores que impedem uma população de crescer, tais como a fome, doenças, guerra e miséria.
Associada a esta convicção está uma fé inabalável de que o progresso tecnológico contínuo poderá evitar a inevitabilidade de habitar um planeta com limites biofísicos, e de amenizar qualquer redução na sua habitabilidade devido a processos complexos, como as alterações climáticas ou colapso ecológico.
Por sua vez, Pollyanna era a protagonista dos romances de Eleanor H. Porter. Uma rapariga com um otimismo fervoroso, que tendia a focar-se excessivamente no lado positivo das coisas, e ignorar a informação negativa que desafiava a sua perceção do mundo.
Esta é a conjuntura que predomina sobretudo o pensamento económico, que informa a governação política – e que é cada vez mais observada na sociedade civil. Informação que contraria perceções adquiridas tende a ser ignorada, descartada, ou apelidada de conluio por terceiros, como no caso das alterações climáticas, da degradação ecológica e do facto incontornável de que um planeta finito não poderá sustentar algo como crescimento económico ilimitado – pelo que, invariavelmente, as ambições da nossa espécie terão de ser restringidas.
- Um projeto humano em sobrecarga
Em segundo lugar na lista, temos uma economia global extractivista e uma população humana que cresceram em demasia (e que não têm intenção de estagnar e decrescer tão cedo). Afirmar que a nossa espécie está num estado de sobrepopulação é um facto científico incontornável, dado que mesmo com os níveis de riqueza materiais atuais, a humanidade ultrapassa a bio-capacidade disponível de 1.6 hectares globais produtivos (gha) per capita, com uma presente necessidade que ronda os 2.8 gha. O que significa que, atualmente, a nossa espécie requer o equivalente em recursos a cerca de 1.75 planetas (Global Footprint Network, 2022).
Adicionalmente, a população continua a expandir-se em mais de 80 milhões por ano, e todas estas pessoas irão necessitar de um nível mínimo de subsistência, e uma parte do capital global de bio capacidade. Ao mesmo tempo que a grande maioria tentará alcançar patamares superiores de riqueza e conforto material contribuindo, coletivamente, para a degradação da ecosfera.
É importante frisar que todos os objetivos de desenvolvimento globais consideram fundamental elevar toda a humanidade a um nível digno de prosperidade e bem-estar, ao mesmo tempo que não existe um limite que cada indivíduo não deva ultrapassar. O resultado é o efeito combinado de uma população em expansão com uma exigência de recursos excessiva que ultrapassa os limites de um planeta finito e que o transforma no processo. Uma ilustração da seriedade deste crescente monopólio antropogénico pode ser vista no gráfico seguinte. Este revela que, em 2020, o peso das principais matérias antropogénicas (que por sua vez derivam de recursos retirados ao planeta), ultrapassou o peso de toda a biomassa do planeta.
No entanto, como se costuma dizer ‘quanto maior é a subida, maior é a queda’. Seria impossível ignorar a subida sem precedentes no que diz respeito, não só ao tamanho da população humana, mas também àquilo que referimos, coloquialmente, como a economia global [geralmente descrita através da combinação do produto interno bruto (PIB) dos países]. Este PIB global aumentou por um fator de 100 desde 1800 (a população atingia o primeiro milhar de milhão por volta desta data, tendo octuplicado até 2022), concomitante com o crescimento de ordenados por um fator de 13 [25 para países sobre desenvolvidos (Roser, 2013)].
Estes incrementos vêm corroborar argumentos que a humanidade se tornou uma força parasítica na ecosfera (Rees, 2020). Afinal, uma economia global mais ostensiva e maior poder de compra estão associados a um impacto mais evidente no planeta, fazendo com que o projeto civilizacional se tenha tornado um tipo de estrutura dissipativa com uma manutenção que assenta num aumento da entropia do sistema Terra, exaurindo a sua fundação ecológica de forma a crescer.
- Fatores persistentes com impacto histórico cumulativo, maior probabilidade, severidade e magnitude
Os fatores que são geralmente implicados no colapso de sociedades do passado não permaneceram inalteráveis ao longo dos últimos séculos e milénios. Modificações antropogénicas têm vindo a amontoar, tendo como exemplo as alterações climáticas antropogénicas. Contrariamente ao que é geralmente referido, o assalto ao sistema Terra não foi iniciado somente com a efetivação da Revolução Industrial, sendo que se contabilizarmos o período pré-industrial a contribuição de aquecimento da atmosfera pode chegar a 0.2 °C adicionais (Shurer et al. 2017). Num panorama em que se tenta manter o aquecimento abaixo de 1.5 °C, e onde já esgotámos um budget de mais de 1°C, 0.2 °C, não é algo que nos podemos dar ao luxo de ignorar.
A escala de impacto, probabilidade de ocorrência e severidade também têm vindo a sofrer alterações, devido à influência humana. Por exemplo, o Furacão Harvey, que atingiu os Estados Unidos em 2017, teve cerca de 15% maior carga de precipitação e uma ocorrência três vezes mais provável (Olderborgh et al. 2017). Por sua vez, as reduções na precipitação e aumentos de temperatura duplicaram os dias de risco extremo de fogo na Califórnia (Goss et al. 2020).
Igualmente importante, é a expansão geográfica humana. Um conceito que podia ser descrito como local ou regional em sociedades do passado, mas que, agora, adquire uma dinâmica quase global. Exemplos de atividades humanas com impacto negativo, como a deflorestação ou a sobrepesca, eram maioritariamente circunscritas às zonas envolventes – e em alguns casos a regiões mais vastas. Atualmente, em oposição a este cenário, o nosso projeto civilizacional colocou cerca de 90% do oceano sob uma pressão humana intensa (Jones et al. 2018) e, ao mesmo tempo, a deflorestação contínua do planeta é vista como um dos dois fatores que irão precipitar um colapso catastrófico (em conjunto com o crescimento populacional) (Bologna e Aquino 2020).
- Complexidade sem precedentes
A humanidade criou um sistema complexo global, interdependente, integrado e inédito na história da nossa espécie. O físico Yanner Bar-Yam descreveu que “uma sociedade interligada se comporta como um organismo multicelular”, sendo que quanto mais o sistema evolui para integrar a crescente complexidade, mais indispensável cada variável isolada se torna. Por consequência, interdependências são geradas, e perturbações num ‘orgão’ manifestam-se por todo o ‘organismo’ (Mackenzie 2008).
Por sua vez, é argumentado (Manheim 2020) que sistemas complexos são frágeis, propensos a instabilidades latentes que tornam o colapso uma inevitabilidade, particularmente no que diz respeito à exposição aos impactos das alterações climáticas. De outro modo, é ponderado (Kemp 2019) que um sistema socioeconómico singular, e profundamente emaranhado, venha a desenvolver uma crescente vulnerabilidade visto que, na eventualidade de perturbações que afetem estados e indústrias-chave, as consequências rapidamente reverberam por todo o globo. O colapso da economia de consumo desregrada, que assenta na expectativa de crescimento contínuo, é agora visto por muitos como irremissível – especialmente devido a falhas de fornecimento de recursos (Haque 2021).
Contudo, é importante frisar que, caso um colapso económico ocorra, não será somente a aquisição de produtos baratos que será afetada. Dada a dependência que se criou de importações, um cenário de países incapazes sequer de providenciar autonomia energética e alimentar, rapidamente progrediria para devastação, violência, fome e migrações em massa causando ondas nos países recetores. Estes são agora cenários estudados e considerados demasiadamente prováveis para serem desprezados.
- A Cornucópia e o mito da inesgotabilidade
Na mitologia greco-romana a Cornucópia era um símbolo representativo da riqueza e de uma abundância sem limites. Atualmente, a cornucópia é associada aos devaneios dos tecno-otimistas, os quais acreditam que a condição humana só poderá melhorar no futuro.
Uma parte significativa da nossa espécie é impelida por uma fábula de expansão num mundo de limites negligenciados, embora estes se tornem cada vez mais difíceis de ignorar. Em adição a este mito expansionista, está um conjunto de reformas neoliberais que transformaram o sistema económico num mecanismo que é apresentado como desconectado do meio biofísico, e que o considera uma fonte interminável de recursos, bem como um reservatório interminável para resíduos. Tal justificação está ligada à crença referida anteriormente de que os seres humanos adquiriram não só controlo sobre o mundo natural, mas que o desenvolvimento contínuo de tecnologia e a implementação de mercados livres permitirão ao ser humano escapar conceções de escassez e privação.
Para todos os efeitos, a habilidade humana de ultrapassar ou escapar temporariamente da insuficiência de recursos através de trocas comerciais, movimentos migratórios e capacidade inovativa para desenvolver tecnologia, criaram uma falsa sensação de segurança que assenta neste mito de inesgotabilidade. De igual modo, a visão de Cornucópia também se alinha à de Pollyanna, no sentido que atitudes profundamente otimistas continuam a subscrever a um modelo de crescimento económico, omitindo factos sobre limites biofísicos e consequências da violação dos mesmos. O mantra dominante é marcado por uma indiferença ao facto de que a Terra é um sistema fechado, e que a manutenção do projeto civilizacional requer a diminuição da ecosfera – com todas as repercussões que tal assalto acarreta (Bystroff 2021).
- Comportamentos e práticas mal adaptativas
Numerosas práticas e comportamentos têm persistido ao longo da nossa história evolutiva. Muitos terão sido favoráveis, em alguma altura no passado, mas, consoante as nossas circunstâncias ecológicas e ambientais se foram alterando, estes ter-se-ão tornado prejudiciais para o interesse coletivo da espécie e da manutenção da vida na Terra. No passado, tais comportamentos concederam vantagens em controlar e manipular de forma mais eficaz o ‘capital natural’ do planeta (Rees, 2002), e aumentaram a sobrevivência e conforto da nossa espécie, tendo contudo, precipitado ocorrências como a sobrecarga dos meios envolventes.
Um claro exemplo de um comportamento mal adaptativo é encontrado no desejo de manter um agregado familiar numeroso, através da reprodução. Tal prática teria garantido utilidade e vantagens em circunstâncias de conflito entre grupos, guerra, necessidade de mão-de-obra para garantir boas colheitas, ou, simplesmente, porque a taxa de mortalidade infantil era demasiado elevada. Contudo, numa sociedade moderna em que estes elementos já não estão permanentemente presentes, manter um agregado familiar numeroso é uma ação individual com dano coletivo, particularmente em países sobre desenvolvidos, onde cada novo ser humano terá uma pegada desproporcional ao resto do mundo (Rieder 2016).
- Perda de resiliência
O contexto relativamente ameno e convidativo do Holoceno [com exceções na forma de mega secas, por exemplo (Weiss 2017)], com ecossistemas funcionais e capazes de recuperar, não permitiu somente o desenvolvimento de sociedades complexas, mas permitiu que, após períodos conturbados, estas se pudessem reintegrar, muitas vezes como sociedades profundamente transformadas (McAnany e Yoffee 2009). Contudo, este “Longo Verão” (Fagan 2005), que tem caracterizado o Holoceno, está agora em rápida mudança. Uma interferência antropogénica massiva tem levado a uma degradação ecológica em larga escala que, por sua vez, afeta a resiliência do nosso projeto.
As estratégias a que os nossos antepassados recorriam, quando o desastre batia à porta ou quando uma dada área se tornava incapaz de providenciar o necessário para a sobrevivência, estão a tornar-se mais difíceis de acomodar. A migração fará certamente parte desta lista. Com o aumento populacional explosivo, observado nos últimos séculos da nossa história, mais territórios ficaram sobre domínio humano permanente (por exemplo, para explorações agropecuárias, produção energética, mineralização, urbanização), e com densidades populacionais muito mais elevadas. Procurar novos prados verdejantes tornar-se-á progressivamente uma estratégia confinada ao passado, além que este crescimento fará com que mais seres humanos se concentrem em zonas de risco.
Ademais, consoante o conhecimento tradicional dos territórios se reduz ou desaparece (como, por exemplo, na forma de mitos ou folclore – que identificam certos locais como associados a eventos catastróficos no passado, e que devem ser evitados), e é substituído pelas narrativas já mencionadas (excepcionalismo humano, Pollyanna, Cornucópia e outras), a vulnerabilidade das populações tenderá a aumentar. Igualmente relevante, para questões de resiliência, é o facto já mencionado da atual interdependência e globalização, sendo que muitos seres humanos modernos não possuem a mestria necessária para garantir a sua subsistência, e autonomia em caso de uma crise generalizada.
- Intransigência política e relutância coletiva para enfrentar factos desagradáveis
O fio condutor entre todos elementos é a incapacidade global para agir face ao risco de colapso, ou no mínimo, as propostas ineficazes que são avançadas para lidar com a predisposição humana de habitar este planeta de forma insustentável. Há várias décadas que é sabido que o crescimento tanto da população como da economia global entrariam em conflito com os limites biofísicos do planeta, em detrimento de toda a ecosfera, e, por conseguinte, afetando a permanência harmoniosa do Homo sapiens no planeta. Não obstante, os indicadores de impacto antropogénico não mostram sinal de abrandarem, apesar de inúmeros tratados internacionais, conferências e soluções propostas.
Dada a aparente inevitabilidade de um cenário de colapso – corroborada por todas as sociedades passadas em que se verifica um desfecho paralelo – a maior incerteza será se um ‘declínio controlado’ (caracterizado por uma contração voluntária da economia e da população) pode ser uma abordagem viável, ou somente um itinerário diferente, mas com o mesmo destino. De qualquer modo, não existe praticamente nenhum suporte público para as políticas de contração (do inglês scaling down) da população ou do sistema económico, visto que tal exigiria uma constrição de direitos e liberdades que as pessoas adquiriram, apreciam e não estão dispostas a renunciar.
Da mesma maneira que os eleitores esperam que o seu bem-estar continue a aumentar (ou que, no mínimo, não se reduza), a classe política continuará a perpetuar políticas que assentem em crescimento, na expectativa de manter os seus eleitorados por perto. Consequentemente, políticos e governantes continuarão comprometidos com o status quo, visto que a vasta maioria do seu eleitorado aprova tais posições.
O que nos aguarda no futuro?
Apesar das nossas inúmeras ambições relativamente a tecnologia, inovação, desenvolvimento e progresso, a humanidade enfrenta, mesmo assim, um dilema (Servigne e Stevens 2020).
Pressuponhamos que os seres humanos se empenham em adquirir mais crescimento material e energético (intrinsecamente dependente de combustíveis fósseis), para manter este projeto civilizacional e a sua enorme população. Nesse caso, a ecosfera sofrerá um assalto continuado através da industrialização do planeta (mesmo que seja sob o alegado pressuposto nobre de aumentar a produção de energia renovável ou de baterias), e o impacto antropogénico no planeta tenderá a intensificar. Um cenário de colapso discriminado tornar-se-á inevitável quando limites biofísicos forem ultrapassados e tipping points iniciem processos irreversíveis dos sistemas terrestres.
Por outro lado, se a humanidade escolher preservar a ecosfera, teriam de ser forçosamente aplicadas medidas de contração da população e da economia global (que por sua vez reduziriam níveis de produção energética e material). Um exemplo concreto foi observado no período inicial da pandemia de Covid-19, quando foi apontado que seria necessária uma redução na ordem dos 7-8% do PIB global, todos os anos, nos próximos 10 anos, para ter uma probabilidade de 66% de manter o aquecimento global abaixo dos 1.5℃ (Gabbatiss 2020). Tal cenário seria o equivalente a um colapso económico e social deliberado.
Alternativamente, um investimento massivo em alternativas para a redução de emissões de gases de efeito de estufa seria necessário para possibilitar uma transição para um futuro sem combustíveis fósseis. O problema é que o nosso projeto civilizacional está intrinsecamente dependente destes combustíveis para a sua manutenção, seja na produção agrícola (fornecer uma dieta equilibrada a 8.000.000.000 de pessoas requer imensos inputs fósseis), de materiais de consumo ou mesmo na irónica mineração, construção e transporte da maquinaria usada para a ‘transição energética’. Renunciar a estes combustíveis apressadamente levaria a cenários de falhas energéticas, insegurança alimentar, contração económica e mortes em massa – o equivalente a um colapso (Sers e Victor 2018). Em contraste, a escala planeada para fazer uma transição energética (mantendo os nossos estilos de vida o mais intactos possível) e mitigar o impacto das alterações climáticas irá resultar num assalto sem precedentes à ecosfera. A situação agrava-se quando percebemos que as alterações climáticas são somente um em vários problemas, que constituem aquilo a que se veio a chamar o human predicament.
Eventualmente, seremos confrontados com questões como se terá valido a pena preservarmos o nosso projeto civilizacional se isso significou industrializarmos o planeta, tendo-o transformado num recreio para uma só espécie – enquanto empurramos muitas outras para a extinção. Infelizmente, parece que de forma deliberada ou contra a nossa vontade, que um colapso deste projeto civilizacional seja um cenário bastante credível para o futuro.
Teriam os escritores de ficção-científica do passado se lembrado de tal enredo ou pensariam que seria um delírio que até os seus leitores considerariam absolutamente rebuscado?
“A ficção-científica não tenta prever o futuro, ao invés disso oferece uma distorção significativa do presente. Sentamo-nos e olhamos à nossa volta e dizemos como o mundo poderia ser diferente.”
Samuel R. Delany