Alberto Pinto saiu da cadeia de Pinheiro da Cruz, perto de Grândola, a 26 de novembro de 2021, em liberdade condicional. Tem de encontrar uma casa, porque o acolhimento atual é temporário, e quer trabalhar numa quinta: "Sou uma pessoa saudável, minha senhora!", diz em entrevista à SIC, dias antes do primeiro Natal fora da prisão em 18 anos.

"SEQUESTRADO" NA PRISÃO?
Era um dos reclusos mais velhos dentro do sistema prisional. Cumpria várias penas, por crimes diversos, cada um com a sua condenação, incluindo uma "pena relativamente indeterminada" entre 13 anos e 4 meses a 25 anos de prisão efetiva.
Carlos Rato, da Associação de Apoio ao Recluso, afirma que Alberto Pinto esteve preso "20 anos" por ter "alegadamente furtado 10 vacas a um procurador da República" em 1983. Num comunicado enviado a título pessoal, esta mesma narrativa seguiu para diversos titulares de cargos públicos e vários órgãos de comunicação social.
Carlos Rato falava de um homem "sequestrado" numa prisão, de uma "democracia podre" e questionava "o estado de sonolência e indiferença" da sociedade para com um "simples recluso, um invisível", alvo de "perseguição" por parte da justiça. O agora ex-recluso Alberto Pinto considera que a pena foi desproporcionada, pois os roubos de gado nunca envolveram nem armas nem sangue, e que foi vítima de uma "vingança" pessoal, que o acompanhou durante toda a vida prisional.

"O ALBERTO NÃO É NENHUM MENINO DE CORO"
Nesta altura, o recluso n.º 188 do Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz cumpria pena por ter roubado gado mas, como o próprio Carlos Rato, reconhece, não era "nenhum menino de coro". Nos processos judiciais consultados pela SIC, são referenciados vários furtos de dezenas de cabeças de gado bovino, cabras, ovelhas, porcos e até uma mula e a carroça. Os animais eram roubados e transportados durante a madrugada e, na maior parte dos casos, vendidos por menos de metade do preço a um intermediário que os comercializava depois em feiras e mercados.
O prejuízo causado aos lesados, na ordem das centenas de milhar de contos de réis, incluem também danos causados nos arames das cercas, portas e portões arrombados e situações como, por exemplo, a destruição de uma vinha causada por 78 animais deixados à solta por Alberto Pinto e os seus comparsas durante um roubo. Um grupo que a Judiciária, à época, responsabilizou por dezenas de assaltos a currais na zona do Alentejo, durante 2 anos. Isto apenas num dos muitos processos de querela por "furto qualificado" que chegaram à barra do tribunal, porque Alberto Pinto tinha contas a prestar à justiça um pouco por todo um país... onde havia muitas herdades.

A "PENA RELATIVAMENTE INDETERMINADA"
A "pena relativamente indeterminada" aplica-se a reincidentes criminais, a pessoas de quem já não se espera outro caminho que não o da prática de atos ilícitos; aplica-se - está escrito no artigo 83.º do Código Penal - "sempre que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar uma acentuada inclinação para o crime".
Alberto Pinto, que cumpriu a 1.ª pena de prisão em 1976, aos 30 anos de idade, já trazia duas mãos cheias de condenações que vinham dos anos oitenta quando esbarra com esta "pena relativamente indeterminada" no Tribunal do Barreiro, a 4 de dezembro de 1991. O colectivo de juízes apoia-se num acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, onde o réu é considerado "delinquente por tendência", agarra na "personalidade do agente" dos crimes, e sentencia: pena de prisão entre 13 anos e 4 meses, no mínimo, e 25 anos de cadeia, o máximo permitido em Portugal. Até aqui, havia várias condenações, todas por furto qualificado de gado. Alberto Pinto considerou a pena desproporcionada e injusta. Diz que sentiu "revolta" e resolveu "fazer a vida negra" aos diretores das prisões.

PROFISSÃO: "NÃO CONSTA"
Os crimes sucedem-se dentro da prisão, tráfico de droga, e fora da prisão, 5 crimes de roubo e 5 de sequestro. Tinha saído em liberdade condicional a 4 de junho de 1998 e, nos anos seguintes, continua uma vida ativa na área da criminalidade. Este homem, com a antiga quarta classe, natural de uma aldeia no concelho de Trancoso, passou dos furtos de gado, para outro tipo de criminalidade, com maior grau de violência.

Voltou a ser preso a 3 de junho de 2003. A terceira estada na cadeia prolongou-se, assim, durante quase duas décadas, ininterruptamente, e quebrou forçosamente quaisquer laços familiares e de amizade, que poderia ter deixado na terra natal ou na vida depois de sair de lá. Nos documentos oficiais, tanto é indicada a profissão de pastor, como de comerciante ou, então, com mais frequência, surgem referências lapidares: "desempregado", "sem profissão" ou "não consta". E na prisão, não quis aprender nenhum ofício.
ATITUDE DE "APATIA E DESINTERESSE"
Alberto Pinto chegou, assim, à idade da reforma, preso, sem dar sinais de tranquilidade ao Tribunal de Execução de Penas. Os pedidos de liberdade condicional, quando surgem, são rejeitados. Numa decisão a negar mais um, é referido que o recluso "permanece numa atitude de apatia e desinteresse, nada fazendo para ocupar o seu tempo, não revelando qualquer tipo de preocupação em traçar objectivos para o futuro", concluindo, assim, o magistrado que há "muito elevado risco de reincidência". Mais tarde, numa avaliação psicológica, é referido ainda que é "delinquente por propensão". Cairam, assim, por terra todas as pretensões a deixar a cadeia, com revisões do cômputo jurídico da tal "pena relativamente indeterminada" sempre mais para a frente, adiando o fim dessa pena, tendo de cumprir outras penas também, aumentando o desespero do recluso e da APAR que tentou até um "habeas corpus" para tirar Alberto da cadeia. Este ano, houve mesmo um pedido para internamento, como é feito para os casos em que se considera que não há capacidade das pessoas para viver em sociedade.
Alberto Augusto Pinto: "Sou uma pessoa saudável"
A hipótese de internamento foi afastada após perícia psiquiátria e a liberdade condicional chegou a 26 de novembro passado, dia em que saiu da prisão pela 1.ª vez em 18 anos. Alberto Pinto cumpria agora, finalmente, a última das penas que ainda restava, pelos crimes de roubo e de sequestro. Até 24 de abril de 2023, tem de se apresentar regularmente nos serviços de Reinserção Social e não pode praticar crimes nem qualquer outro ato ilícito. Vive com uma pensão mensal de cerca de 285 euros. Conta com ajuda da APAR para encontrar uma "quinta para trabalhar", afirma que todos os dias faz caminhadas de 30/40 km e garante: "sou uma pessoa em quem se pode confiar" e acrescenta:
“Se quiserem entregar uma coisa a um ladrão, têm a quinta mais segura que uma pessoa qualquer!”. Alberto Augusto Pinto está agora à procura de emprego.
