A relação entre a saúde humana e o planeta é de alguma forma conhecida, embora o verdadeiro alcance do seu significado possa ainda não fazer parte do entendimento geral. Daí que, para muitos, a persistência de velhas doenças e o surgimento de novas doenças são difíceis de explicar dado o incrível aumento do conhecimento e do investimento. Foi exatamente isto que aconteceu com a pandemia da Covid-19, em que a falta de surpresa entre os cientistas contrastou com uma opinião pública incrédula. Os mais curiosos que pesquisem pela “doença X”, alvo de debate científico desde 2018.
No dia 7 de abril assinalou-se o Dia Mundial da Saúde, este ano com o lema “nosso planeta, nossa saúde”. A escolha da Organização Mundial de Saúde não podia ter sido mais acertada pela necessidade de melhor perceber a relação entre a saúde e o planeta.
Dois anos de pandemia facilitam o trabalho de ilustração sobre o que está em causa. E o que está em causa não é a reivindicação de um ambientalismo que alerte para o aquecimento global, para a destruição de habitats naturais e ecossistemas ou para fenómenos meteorológicos extremos cada vez mais comuns. O que está em causa é algo que vai para além disso e que coloca a vida humana como parte integrante de uma ecologia em interdependência com a vida de outros animais e com a natureza.
Enquanto houver a ideia de que falar desta ecologia é falar de temas irrelevantes na vida diária das pessoas ou que estes temas representam agendas políticas de nichos de eleitores, então muito caminho continua por desbravar. Mais, que não haja dúvida de que os temas caros do realpolitik – crescimento económico, coesão social, distribuição de rendimento e estabilidade política – não têm forma de ser compreendidos enquanto essa ecologia continuar fora da equação.
O conceito que sustenta a ecologia entre natureza, humanos e outros animais tem a designação anglófona “one health”. A tradução para português deve ser “uma só saúde”. Só há uma saúde porque não é possível pensar a vida sem qualquer um daqueles elementos, ou dizendo de outra forma, a saúde de uns impacta na saúde dos outros.
Não se trata de uma ideia nova. A história mostra com clarividência várias formas de reconhecer esta ecologia. Porventura fomos nós, filhos do iluminismo científico, que inebriados pela ilusória capacidade de controlar a vida, os que mais se esqueceram de uma escala de existência em que o Homem faz parte de um todo.
Felizmente a ciência cumpriu o seu papel e desdisse-se a si mesma. Hoje não há qualquer dúvida quanto à evidência de que a saúde é uma só e apenas quando for tratada enquanto tal conseguiremos encontrar soluções aptas a lidar com esta natureza. É disto de que falamos quando procuramos soluções para zoonoses (doenças transmitidas entre humanos e outros animais) ou resistências aos antibióticos, as quais sabemos com relativa certeza que continuarão a condicionar a vida humana e não humana.
Não cabe aqui falar em respostas políticas. Talvez ainda nem saibamos ao certo como organizar a ciência e mobilizar os cientistas para encontrar respostas práticas para estes problemas. Enquanto esse caminho é feito podemos, isso sim, alertar para esta realidade. Trata-se mesmo de algo real, ainda que pareça distante dos nossos tempos e dos nossos problemas diários. Está cá e nunca deixou de estar. É isto que a Covid-19 nos mostrou e é isto que quer dizer aprendermos com a pandemia. Se tudo ficar na mesma, então falhámo-nos a nós mesmos e teremos falhado aos nossos filhos.